segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Por que a obesidade é uma doença?

Antes de ler este texto gostaria que todos compreendessem que nós, endocrinologistas, não estamos preocupados somente com a estética dos nossos pacientes, mas principalmente com as consequências da obesidade para a saúde em geral. A obesidade, para nós, é uma preocupação legítima com a saúde, ao invés de uma preocupação puramente estética ou de estilo de vida.



Até pouco tempo, a fome e a desnutrição eram priorizadas como problema de saúde pública. Atualmente, com o reconhecimento de que a obesidade  é uma doença e responsável pelo aumento da prevalência de  inúmeras doenças crônicas, o foco foi alterado.
Mas, por que a obesidade é uma doença? Primeiro, porque é uma condição que prejudica o funcionamento normal do nosso organismo. E, desta forma, é importante que se saiba que o aumento da gordura corporal promove disfunção metabólica, biomecânica, psicossocial e altera a percepção da sensação de fome e saciedade.  
A fisiopatologia da obesidade é ampla, variando de acordo com a causa do ganho de peso. Não existe apenas um tipo ou apenas uma causa de obesidade.
A obesidade está relacionada com o surgimento de diversas doenças crônicas, como diabetes, osteoartrite, gota, esteatose hepática, doença renal crônica, doença cardiovascular, apneia do sono, dislipidemia, trombose venosa e diversos tipos de câncer, sendo hoje o segundo maior fator de risco de câncer, ficando atrás, apenas do tabagismo! Isso, sem mencionar o prejuízo psicossocial, como a estigmatização e a depressão. 
Ao contrário do que foi publicado na edição do dia 2 de dezembro do Jornal Zero Hora, a obesidade é, sim, uma causa de diabetes tipo 2 – sendo que mais de 80% dos casos estão diretamente relacionados ao excesso de peso. Diversas pesquisas têm demonstrado que fatores genéticos, biológicos e ambientais desempenham um importante papel na obesidade e na sua resistência ao tratamento. Em 2013, a Associação Médica Americana reconheceu a obesidade como uma doença, o que possibilitou que fossem feitos progressos em direção à prevenção e tratamento desta condição, embora ainda estejamos muito longe do almejado.
Hoje, cinco anos após este posicionamento, ainda persistem discussões sobre o fato da obesidade ser ou não uma doença. Mas, por quê? 
Para uns, o fato de a obesidade ser considerada doença anularia a importância da alimentação adequada e da atividade física e poderia permitir que indivíduos obesos “fugissem” da responsabilidade do seu tratamento. 
Para outros, classificar a obesidade como doença possibilitaria que mais pesquisas na área fossem realizadas, que se articulassem tratamentos mais efetivos e que se aumentassem os recursos para perda de peso. E, neste sentido, em maio de 2017, a  Federação Mundial de Obesidade (WOF) argumentou que “o diagnóstico precoce e o tratamento da obesidade na infância pode ser uma medida semelhante, em termos de saúde pública, à da VACINAÇÃO” – prevenindo doenças através de uma política proativa. 
Mas, para que estratégias efetivas de prevenção possam ser adotadas,  primeiramente, a obesidade precisa ser reconhecida como uma doença.
A adoção de políticas públicas que ajudem na prevenção e tratamento da obesidade podem mudar o curso dessa história. Assim como as doenças infecciosas têm sido efetivamente controladas com medidas ambientais como o saneamento básico – a obesidade pode ser controlada com medidas que reduzam o excesso  de seus agentes causadores – como os alimentos ricos em açúcar, por exemplo. Tais mudanças exigirão a colaboração do governo (regulação da indústria alimentícia, implementação de impostos, construção de ambientes que estimulem a atividade física como, por exemplo, ciclovias), participação ativa dos profissionais de saúde, e por que não, veículos de divulgação de informações em massa como jornais e revistas?
Depois de tudo o que se falou sobre a obesidade, podemos afirmar que não é necessário que todos se filiem aos padrões de beleza atuais para se tornarem saudáveis. Aceitar o corpo é louvável, mas compreender os riscos associados ao excesso de peso é fundamental!

Referências:
1. Regarding Obesity as a Disease: Evolving Policies and Their Implications 
2. Should we officially recognise obesity as a disease? Editorial. The Lancet Diabetes & Endocrinology.
3. Why Is Obesity a Disease? Obesity Medicine Association. 

Dra. Luciana Dornelles Sampaio Peres
Médica Endocrinologista
CREMERS 34.995 - RQE 29.637

domingo, 18 de novembro de 2018

Qual a diferença entre DIET, LIGHT e ZERO?

Produtos DIET, LIGHT e ZERO costumam causar dúvidas na hora da escolha. Mas afinal, qual pode ajudar a emagrecer? E qual é mais indicado para quem é diabético?



Nos produtos DIET, um dos componentes nutricionais - açúcares, sódio, gorduras, proteínas, entre outros - é retirado ou substituído. Esta informação deve constar no rótulo. São indicados para pessoas que têm restrições alimentares ou não querem consumir algum nutriente específico. Exemplo: pacientes com diabetes que precisem restringir o consumo de açúcar. Um detalhe importante: DIET não é sinônimo de menos calórico! Chocolates e sorvetes dietéticos, por exemplo, podem ser mais calóricos do que o produto normal se o açúcar for substituído por gordura.
O que faz um produto ser LIGHT é a redução em pelo menos 25% de algum nutriente. Isso frequentemente também reduz o conteúdo energético, ou seja, o número de calorias. Logo, alimentos LIGHT podem ser indicados em dietas para emagrecer. No entanto, para que a redução de peso aconteça, deve-se consumir quantidade parecida ao do produto normal (não LIGHT).
Por fim, os produtos ZERO possuem exclusão total de algum ingrediente. Existem os “zero açúcar”, “zero gordura”, “zero sódio”, entre outros. Grande parte dos produtos ZERO são reduzidos em calorias e açúcares, podendo ser utilizados tanto por pacientes diabéticos quanto por quem deseja perder peso.
Uma vez que a leitura dos rótulos pode ser difícil, sempre vale consultar com o endocrinologista ou com o nutricionista no caso de dúvidas.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista titulado pela SBEM
Doutor e Mestre em Endocrinologia pela UFRGS
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Suplementos alimentares adulterados - questão de saúde pública

Mais da metade dos adultos nos EUA consomem algum tipo de suplemento alimentar. A agência reguladora daquele país chama-se Food and Drug Administration (FDA). Só para localizar vocês, no Brasil mais da metade da população também consome suplementos e a nossa vigilância é feita pela ANVISA.
Um estudo publicado no periódico JAMA no mês de outubro de 2018 mostrou que muitos suplementos vendidos como "naturais" estão na verdade ADULTERADOS e contêm medicações não declaradas na sua lista de ingredientes.


De 2007 até 2016, 776 suplementos adulterados, de 146 marcas diferentes, foram identificados pelo FDA. Destes, 20% continham mais um ingrediente não aprovado como suplemento.
Para quais as finalidades estes suplementos estavam sendo utilizados?
  • 45% estavam sendo usados para aumentar o estímulo sexual – nestes a maioria continha sildenafil (outros compostos como a tadalafila e a vardenafila também foram encontrados). O sildenafil é o fármaco ativo do popular Viagra, medicação utilizada para disfunção erétil. Essas medicações são inibidoras da fosfodiesterase-5 e não podem ser utilizadas em qualquer pessoa (ex: homens em uso de nitratos).
  • 40,9% estavam sendo usados para perda de peso, nestes a maioria continha sibutramina e/ou laxativos. Antidepressivos como a fluoxetina e o próprio sildenafil, mencionado anteriormente, também foram encontrados em alguns destes produtos.
  • 11,9% estavam sendo usados para aumento de massa muscular, nestes a maioria continha esteroides anabolizantes sintéticos.
  • alguns “produtos naturais” para diminuir dores articulares e musculares continham anti-inflamatórios (diclofenaco foi o mais encontrado) e corticoides (principalmente dexametasona – lembrando que estas pessoas correm o risco de desenvolver insuficiência adrenal com a suspensão abrupta do uso).

E pasmem, muitos deles continuavam sendo adulterados MESMO APÓS a FDA ter lhes dado uma ADVERTÊNCIA (alguns produtos tinham mais de 3 advertências consecutivas!!!).
Em resumo, temos aí um grande problema de saúde pública. Muitas pessoas optam por compostos naturais por acreditarem não estarem usando medicação, mas como vocês podem ver não é sempre assim! Não acreditem em milagres, consultem sempre um médico! Antes estar tomando uma medicação regulamentada do que um falso composto natural.

Referência:
Jenna Tucker, et al. Unapproved Pharmaceutical Ingredients Included in Dietary Supplements Associated With US Food and Drug Administration Warnings. JAMA Netw Open. 2018;1(6):e183337. doi:10.1001/jamanetworkopen.2018.3337.

Dra. Luciana Dornelles Sampaio Peres
Médica Endocrinologista
CREMERS 34.995 - RQE 29.637

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Uma breve introdução ao diabetes tipo 1

O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é uma doença crônica que surge quando o pâncreas deixa de produzir quantidade suficiente de insulina. A glicose, um tipo de açúcar que obtemos principalmente através da alimentação, precisa da insulina para conseguir entrar nas células do nosso organismo. Dentro da célula, a glicose poderá ser estocada ou usada imediatamente como fonte de energia. Quando falta insulina, sobra açúcar na corrente sanguínea. E estes níveis elevados trazem problemas à saúde.



O manejo do diabetes tipo 1 tem duas características: a necessidade de automonitorização dos níveis glicêmicos (testes de ponta de dedo ou através de monitorização contínua - CGM ou Libre) e o uso de insulina. O tratamento, quando bem executado, consegue diminuir a incidência de complicações.
Crianças e adultos jovens são acometidos com maior frequência, mas o DM1 pode dar as caras em qualquer idade. Mundialmente, de cada 100 pacientes diabéticos, entre 5 e 10 convivem com o diabetes tipo 1.
Receber o diagnóstico de diabetes mellitus tipo 1 pode ser uma experiência angustiante e assustadora. Por que a doença apareceu? Qual o impacto na minha saúde daqui para frente? Como vai afetar minha rotina? São dúvidas frequentes.
É comum certa instabilidade emocional nos primeiros meses após o diagnóstico. Paciente e família podem usar esse período para aprender o máximo possível sobre a doença e como incluir os devidos cuidados dentro da rotina (controle da glicemia capilar, consultas médicas, uso da insulina, alimentação, cuidado com os pés).
Além disso, é importante conversar com o médico endocrinologista sobre as opções terapêuticas disponíveis, incluindo o suporte psicossocial. Contato com grupos de pacientes, nutricionista, educador físico, enfermeiro, isto é, com pessoas com vivência e experiência no manejo da doença, também é muito válido.
Apesar dos riscos associados ao diabetes, a maioria das pessoas pode levar vidas ativas, comer e fazer o que sempre gostou. Diabetes não significa o fim dos bolos de aniversário! Com planejamento adequado, dá pra fazer quase qualquer coisa.

O que causa o diabetes tipo 1?

O DM1 usualmente aparece quando o sistema imunológico destrói as células produtoras de insulina (células beta) do pâncreas. Isto é chamado de resposta autoimune. A causa desta deste fenômeno ainda está sendo estudada.
O processo de destruição das células beta ocorre ao longo de vários meses ou anos. Nesta fase, não há sintomas de diabetes. A glicose alta e os sintomas associados (sede e urinar várias vezes ao dia) só aparece quando mais de 90 por cento das células produtoras de insulina foram perdidas.
O diabetes tipo 1 pode acometer tanto familiares de um paciente diabético quanto pessoas sem história da doença na família. Em ambos os casos, quem ficou diabético tinha um ou mais genes que o tornaram suscetível. Fatores ambientais e a exposição a certos vírus podem ter desencadeado a resposta autoimune.
Parentes próximos (filhos e irmãos) de um paciente com DM1 têm risco maior de desenvolver a doença quando comparados a pessoas sem história familiar (5 a 6 por cento versus 0,4 por cento, respectivamente). Testes genéticos e dosagem de anticorpos contra o pâncreas podem ajudar a estimar este risco, mas não são avaliados rotineiramente, estando disponíveis para participantes de pesquisa clínica.

Como é feito o diagnóstico do diabetes tipo 1?

O diagnóstico é feito através dos sintomas e de testes sanguíneos.
A maioria dos pacientes com DM1 tem sintomas de altos níveis de glicose no sangue (hiperglicemia). Entre eles:
- sede excessiva
- sensação de cansaço
- necessidade de urinar frequentemente
- perda de peso involuntária
- visão borrada
- fome excessiva
- infecções fúngicas ou urinárias recorrentes
- cicatrização lenta de feridas
Menos frequentemente, surgem sintomas de uma condição chamada de cetoacidose diabética. Além dos sintomas descritos acima, pacientes com cetoacidose podem apresentar náusea e vômitos, dor de barriga, respiração rápida, sensação de lentidão, dificuldade de atenção e, algumas vezes, até coma. A cetoacidose diabética é uma emergência médica e deve ser prontamente tratada.
Níveis de glicemia elevados (maiores ou iguais que 126 mg/dL em jejum ou 200 mg/dL após sobrecarga de glicose), na presença de sintomas, confirmam o diagnóstico. Se a sintomatologia não for clara, os exames deverão ser repetidos.

Quais as complicações do diabetes tipo 1?

Níveis de glicemia elevados podem causar problemas nos olhos (retinopatia), nos rins (nefropatia) e nos nervos (neuropatia) - as complicações microvasculares e neuropáticas. Para evitar estas complicações é importante seguir o tratamento corretamente e visitar o endocrinologista para exames regulares do fundo do olhos, dos pés e da função dos rins.
Os pacientes com diabetes tipo 1 também têm risco aumentado de doenças cardiovasculares, como ataque cardíaco, isquemias e mesmo morte. A redução deste risco passa por evitar o fumo, manter pressão arterial e colesterol bem controlados e a glicemia bem controlada (hemoglobina glicada 7% ou menos, especialmente no início da doença).

Em um outro texto, abordaremos de forma mais detalhada o tratamento do DM1 (cuidados com a alimentação, monitorização da glicemia e uso da insulina).

Fonte:
1- Weinstock RS. Patient education: Type 1 diabetes: Overview (Beyond the Basics). UpToDate.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Quais os tipos de insulinas e quando usá-las

Grande parte dos pacientes com diabetes mellitus necessitará usar insulina em algum momento. No diabetes tipo 1, o uso é necessário desde o início. No diabetes tipo 2, quando os comprimidos não são capazes de reduzir os níveis de glicose de forma satisfatória ou estão contraindicados, a aplicação da insulina também está indicada.
Existem diversos tipos de insulina, cada uma com perfil específico de uso. A seguir, as apresentações mais comuns disponíveis no Brasil.


Insulinas humanas

As insulinas humanas são produzidas em laboratório e apresentam composição idêntica à insulina secretada pelo pâncreas. Atualmente, são disponibilizadas dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) através da Farmácia Popular com custo zero aos pacientes. São duas as insulinas humanas:

Insulina regular: apresenta início de ação rápido (30 minutos após a aplicação) e é usada para controlar a glicemia pós prandial, isto é, é usada antes das refeições para evitar a elevação da glicose causada pela alimentação. Geralmente é aplicada 3 vezes ao dia, cerca de 15 minutos antes das principais refeições (café da manhã, almoço e jantar). Pode ser misturada com a insulina NPH desde que seja aspirada antes na seringa e aplicada dentro de 15 minutos. É transparente.

Insulina NPH (neutral protamine hagedorn): é produzida através da mistura de protamina à solução de insulina regular. A protamina faz com que a insulina seja liberada mais lentamente após a injeção, sendo considerada de ação intermediária (início do efeito 2 horas depois da aplicação, com duração do efeito de até 18 horas). É utilizada para controlar a liberação de glicose pelo fígado (gliconeogênese hepática) e manter a glicemia basal em níveis apropriados. Em pacientes com diabetes tipo 1, geralmente é usada 3 vezes ao dia. Em paciente com diabetes tipo 2, é usado de uma a 3 vezes ao dia (antes do café, antes do almoço e às 22 horas). Tem aspecto leitoso e deve ser homogenizada antes da aplicação. Pode ser misturada com a insulina regular ou com as insulinas ultra-rápidas.

Análogos de insulina

Os análogos de insulina são produzidos através da modificação da molécula da insulina humana. Pequenas alterações na composição química também modificam o perfil farmacológico do hormônio. Em outras palavras, a insulina passa a funcionar de maneira mais rápida ou lenta que o habitual. Os análogos atualmente disponíveis no Brasil são:

Insulinas lispro (Humalog), aspart (Novorapid) e glulisina (Apidra): são consideradas insulinas ultra-rápidas. Iniciam o efeito cerca de 3 a 15 minutos após a injeção, com efeito máximo em 45 a 75 minutos. Assim como a insulina regular, são usadas para controlar a elevação da glicemia causada pelas refeições, logo, são aplicadas de 3 a 4 vezes ao dia. Pacientes com diabetes tipo 1 tendem a apresentar menos hipoglicemias ao usar este tipo de insulina e, quando indicado, podem solicitá-la via protocolo de medicamentos especiais, sem custos, dentro do Sistema Único de Saúde.

Insulina detemir (Levemir): assim como a NPH, é uma insulina de ação intermediária. Ou seja, é usada para controlar a glicemia basal e precisa ser aplicada pelo menos duas vezes ao dia. Quando comparada à NPH, está associada a menos episódios de hipoglicemia. Não pode ser misturada a outras insulinas na mesma aplicação.

Insulina glargina (Lantus, Basaglar e Toujeo): é considerada uma insulina de ação ultra-lenta. Tem duração do efeito de 20 a 24 horas, o que permite uma única aplicação ao dia na maioria dos casos para o controle da glicemia basal. Quando comparada à insulina NPH, se associa a menos episódios de hipoglicemia sintomática, especialmente durante à noite. Não pode ser misturada a outras insulinas na mesma aplicação. No Rio Grande do Sul, pacientes com diabetes tipo 1, quando indicado, podem receber a insulina glargina via protocolo de medicamentos especiais, sem custos, dentro do Sistema Único de Saúde.

Insulina degludeca (Tresiba): é uma insulina ultra-lenta com duração do efeito de até 40 horas, o que permite aplicação em dose única diária para o controle da glicemia basal com a vantagem de flexibilidade no horário - não precisa ser feita exatamente na mesma hora todos os dias. Quando comparada à insulina glargina, se associa com menos episódios de hipoglicemia. Apresenta a desvantagem do alto custo. Pode ser misturada a outras insulinas na mesma aplicação.


Pacientes com diabetes tipo 1 costumam ser manejados com um esquema que associa uma insulina de ação intermediária ou ultra-lenta e uma insulina de ação rápida ou ultra-rápida (esquema basal bolus). Já os pacientes diabéticos tipo 2, dependendo do perfil clínico, podem ser manejados apenas com insulina de ação intermediária ou ultra-lenta, esquema basal bolus (como no diabetes tipo 1) ou mesmo apenas com insulina rápida ou ultra-rápida (bem menos utilizado). Os diferentes esquemas são escolhidos para se adaptar melhor às peculiaridades e preferências de cada paciente.

Fonte: MacCulloch DK. General principles of insulin therapy in diabetes mellitus. UpToDate.

Os vídeos a seguir trazem informações úteis sobre como armazenar as insulinas e sobre como agir em caso de hipoglicemia.





Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
Doutor em Endocrinologia
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Hipertireoidismo: quando a tireoide faz hora extra

Hipertireoidismo é uma condição médica na qual a glândula tireoide trabalha produzindo mais hormônios do que o necessário. Estes hormômios são a triiodotironina e a tetraiodotironina (ou tiroxina) e controlam vários órgãos, por isso podem causar inúmeros sintomas.

E o TSH? Este é o hormônio tireoestimulante, o mesmo é produzido pela glândula hipófise (uma pequena glândula que fica abaixo do cérebro) e sofre mudanças conforme os níveis de T3 e T4. 

Os sintomas do hipertireoidismo são decorrentes da produção excessiva de T3 e T4: ansiedade, irritabilidade, palpitações, tremores, sudorese, insônia, intolerância ao calor, fraqueza, aumento do trânsito intestinal, perda de peso mesmo comendo normalmente. Em mulheres pode acarretar em alterações dos ciclos menstruais e dificuldade para engravidar, já em homens, pode ocorrer comprometimento da função sexual ou aumento de mamas (ginecomastia). Em alguns casos o hipertireoidismo pode provocar aumento do pescoço (chamado bócio) e, em menor frequência, alterações nos olhos. É importante lembrar que muitas vezes o hipertireoidismo pode ser assintomático e acaba sendo detectado em exames de rotina. 



Muitas podem ser as causas para essa “sobrecarga de trabalho” da tireoide: 
- Doença de Graves (DG): é a causa mais comum, trata-se de uma doença auto-imune (na qual as células de defesa do nosso corpo “atacam” a tireoide sem um motivo aparente). É na DG que os paciente podem apresentar problemas oculares como olho vermelho, estrabismo, protrusão dos olhos e até cegueira. O comprometimento ocular grave ocorre mais comumente em tabagistas. 
- Nódulo tóxico (ou nódulo quente): é quando um nódulo é responsável pela produção do excesso de hormônios.
- Tireoidite: a glândula fica transitoriamente inflamada e libera excesso de hormônios por um período limitado. 
- O excesso de hormônios tireoidianos também pode advir do uso incorreto da reposição de levotiroxina (o T4 usado no tratamento do HIPOtireoidismo) 
Para o diagnóstico do hipertireoidismo são necessários exames de sangue. Nos casos confirmados, outros exames podem ser solicitados, como ecografia ou cintilografia da tireoide. 

O tratamento do hipertireoidismo é importante pois essa hiperfunção da glândula pode desencadear outros problemas de saúde, o mais preocupante deles é a arritmia cardíaca. As opções de tratamento para o hipertireoidismo são:
-Medicamentoso: existem 2 tipos de drogas que bloqueiam o excesso de produção de hormônios tireoidianos (Metimazol, também conhecido como Tapazol, e o Propiltiouracil). Quando o paciente sofre com tremores ou palpitações, também se pode usar betabloqueadores para ajudar a aliviar os sintomas.  
- Iodo Radioativo: em forma de pílula ou líquido com pequena dose de radiação. Ele destrói parte da glândula. O tratamento é bastante seguro em homens e mulheres que não estejam gestando.
- Cirurgia: em casos selecionados pode-se lançar mão da retirada da glândula.  
Pessoas submetida ao iodoradioativo ou cirurgia necessitarão, na maioria das vezes, de reposição de hormônio tireoidiano para toda a vida.

Uma dúvida frequente dos pacientes é: se o tratamento medicamentoso parece tão simples, porque optar por iodoradiotivo ou cirurgia? Isso ocorre porque as medicações usadas para tratar o hipertireoidismo podem causar alguns efeitos colaterais (às vezes potencialmente graves), sendo assim, naqueles pacientes que não tiveram remissão da doença com uso da medicação após 18 a 24 meses de tratamento, em geral, se opta por algum outro tratamento mais definitivo. 

E quando a mulher deseja engravidar? 

É necessário sempre avisar o seu médico antes de gestar ou assim que for descoberta a gravidez. A medicação e as doses da medicação possivelmente terão de ser alteradas. Se a mulher foi submetida ao iodoradioativo, ela deve aguardar pelo menos 6 meses após o tratamento para engravidar. 





Claudine Felden
Médica Endocrinologista
CRM 34.816  RQE 27681
instagram: claudinef.endocrino 


Referências



segunda-feira, 1 de outubro de 2018

O que é Ginecomastia?


Ginecomastia é o termo médico usado para o aumento de mamas em homens. Este fenômeno pode acontecer na puberdade, atingindo até 70% dos meninos nessa fase da vida, porém, nesses casos, a ginecomastia não é considerada uma patologia e frequentemente cursa com resolução espontânea. Além disso, pode ocorrer em homens de meia-idade, com uma casuística de até 65%.


A ginecomastia pode ser uni ou bilateral e costuma ser decorrente de um desequilíbrio hormonal ou também como consequência do uso de medicações ou fitoterápicos.


Alguns indivíduos com aumento das mamas podem sofrer desconforto estético ou algum grau de constrangimento, além disso a ginecomastia pode estar associada a dor ou sensibilidade na região dos mamilos. Estima-se que em 25% dos casos a ginecomastia é idiopática, ou seja, não possui causa aparente mesmo após investigação. 

Entre as medicações associadas à ginecomastia se encontram: espironolactona (um tipo de diurético), cetoconazol (antifúngico), cimetidina ou ranitidina (antiácido para o estômago), terapia antiretroviral (medicações para o HIV). Produtos derivados de compostos naturais também podem ser causa de ginecomastia, especialmente na infância. Esses produtos são comercializados em forma de xampu, sabonetes e loções.

Algumas vezes é preciso fazer o diagnóstico diferencial entre ginecomastia e pseudoginecomastia, a primeira é decorrente do aumento das glândulas mamárias, por outro lado, a segunda acontece por acúmulo de gordura no local. Esta diferença pode ser identificada através da palpação por um profissional especializado. Havendo dúvida, a ecografia mamária ou mamografia podem determinar o tecido que provoca aumento de mamas. Procurar auxílio médico nesses casos é extremamente importante para excluir a possibilidade de câncer de mama, que também pode ocorrer em homens. 
Exames de sangue devem ser realizados para detectar se há alguma desordem hormonal. 

Na maioria das vezes, a ginecomastia costuma ser autolimitada e com resolução espontânea, mas dependendo da causa e da gravidade, deve ser tratada. Existem vários tipos de tratamento, porém nem sempre o mesmo é necessário visto que a ginecomastia é uma condição benigna e pode regredir espontaneamente. A escolha da terapia vai depender da causa, da gravidade ou de quanto desconforto ou constrangimento é causado ao paciente. 

Quando o tratamento está indicado, pode-se lançar mão de medicações como Tamoxifeno ou Raloxifeno.  Estas medicações bloqueiam o efeito do estrogênio (hormônio feminino) na glândula mamária e, com isso, reduz o tamanho das mamas. É importante salientar que, embora seja um tratamento difundido e bastante usado, ele não é aprovado com esta finalidade pela ANVISA (agência nacional de vigilância sanitária) ou FDA (agência americana que regulamente medicações e alimentos) por não haver estudos clínicos definitivos sobre o risco e benefício dessas medicações na ginecomastia. Quando a ginecomastia está presente há mais de 1 ano, o tratamento farmacológico nem sempre é eficaz. Nesses casos pode ser necessário um procedimento cirúrgico para reduzir o volume da mama. 

No caso de homens em tratamento para câncer de próstata e em uso de hormonioterapia, o desenvolvimento de ginecomastia também é possível em decorrência do próprio tratamento do câncer. Estes pacientes também são candidatos ao uso de tamoxifeno ou radioterapia mamária (1 a 3 sessões) para reduzir as chances de desenvolver ginecomastia. 


                                                                       Claudine Felden
Médica Endocrinologista
CRM 34816 RQE 27681
Instagram: claudinef.endocrino


REFERÊNCIAS 
Patient education: Gynecomastia (breast enargement in men (Beyond the Basics)
Lawrence SE, Faught KA, Vethamuthu J, Lawson ML. Beneficial effects of raloxifene and tamoxifen in the treatment of pubertal gynecomastia. J Pediatr 2004; 145:71.
Braunstein GD. Clinical practice. Gynecomastia. N Engl J Med 2007; 357:1229.
Deepinder F, Braunstein GD. Drug-induced gynecomastia: an evidence-based review. Expert Opin Drug Saf 2012; 11:779.
Narula HS, Carlson HE. Gynaecomastia--pathophysiology, diagnosis and treatment. Nat Rev Endocrinol 2014. 

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Tratamento do diabetes tipo 2 - as sulfonilureias

O nome deste grupo de medicamentos pode soar pouco familiar, mas seus representantes estão entre os mais prescritos para o tratamento do diabetes mellitus tipo 2. Glibenclamida, glimepirida e gliclazida são muito populares principalmente pelo baixo custo. Apesar de antigas, ainda têm espaço dentro do arsenal terapêutico do médico endocrinologista para ajudar a domar os altos níveis de açúcar no sangue.



A glicose é um excelente combustível. Mas precisa atravessar a membrana das células para poder ser utilizada como fonte de energia. A insulina funciona com uma chave que abre as fechaduras das células para a glicose poder entrar. No diabetes tipo 2, esse mecanismo não funciona bem. Existe uma resistência à ação da insulina. Uma das maneira de contornar essa resistência é aumentado a disponibilidade de chaves para abrir as fechaduras. Aí que entram glimepirida, glibenclamida e gliclazida. Elas estimulam o pâncreas a secretar mais insulina para vencer a resistência e permitir a captação de glicose pelas células.
As sulfonilureias são antidiabéticos muito eficazes. Costumam reduzir a hemoglobina glicada em cerca de 1,5 por cento, mesmo quando outros medicamentos já estão sendo utilizados (1). O preço a ser pago por tanta potência é um maior risco de hipoglicemia (maior na glibenclamida e menor na gliclazida). Seguir corretamente as orientações nutricionais, evitando pular ou atrasar refeições, ajuda a evitar hipoglicemias. Também são medidas importantes: não abusar do álcool, alimentar-se corretamente antes de exercícios intensos e manter contato próximo com o médico endocrinologista. Outro efeito indesejável das sulfonilureias é o ganho de peso. Pacientes com hipoglicemias frequentes acabam comendo com maior frequência e em maior quantidade e, consequentemente, engordando.
Além do pâncreas, existem receptores para as sulfonilureias no músculo cardíaco e nas coronárias. O estímulo a estes receptores durante um infarto poderia prejudicar o fluxo sanguíneo para o coração, aumentando a área de necrose, induzindo a arritmias e aumentado a mortalidade. Isto é uma hipótese. Nos estudos que compararam metformina a sulfonilureias mais antigas (tolbutamida, glibenclamida e glipizida), os pacientes que usaram metformina apresentaram menor risco de eventos cardiovasculares. Se isso foi mérito da metformina ou culpa das sulfonilureias, é matéria para debate. Por outro lado, em uma revisão mais extensa da literatura, as sulfonilureias não aumentaram o risco de infarto do miocárdio ou de acidente vascular encefálico (popularmente conhecido como "isquemia" ou "AVC"). Isso dá ideia do quanto o tema é controverso. A boa notícia é que as representantes mais novas da classe (glimepirida e gliclazida) não estimulam os receptores cardíacos e parecem não aumentar o risco.
Antigas e com alguns efeitos adversos indesejáveis, mas muito eficazes no controle da glicemia, relativamente seguras e baratas. Estas são as principais características das sulfonilureias. Certamente ainda vão prestar serviços no tratamento do diabetes por muito tempo. São o exemplo típico do tratamento que, apesar das limitações, quando bem indicado, funciona muito bem!

Fontes:
1- Hirst JA, Farmer AJ, Dyar A, Lung TW, Stevens RJ. Estimating the effect of sulfonylurea on HbA1c in diabetes: a systematic review and meta-analysis. Diabetologia. 2013 May;56(5):973-84. Epub 2013 Mar 15.
2- Varvaki Rados D, Catani Pinto L, Reck Remonti L, Bauermann Leitão C, Gross JL. The Association between Sulfonylurea Use and All-Cause and Cardiovascular Mortality: A Meta-Analysis with Trial Sequential Analysis of Randomized Clinical Trials. PLoS Med. 2016;13(4):e1001992. Epub 2016 Apr 12.
3- McCulloch DK. Sulfonylureas and meglitinides in the treatment of diabetes mellitus. UpToDate (accessed in 09/2018).

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991


terça-feira, 18 de setembro de 2018

Mulheres grávidas podem consumir peixes?

A ingesta de peixes é parte importante de uma dieta saudável, uma vez que a composição nutricional destes é muito favorável, possuindo uma baixa quantidade de gordura saturada, proteínas de alto valor biológico e outros nutrientes importantes, como os ácidos graxos ômega 3. Uma dieta balanceada que inclua uma certa variedade de peixes contribui para a saúde cardiovascular e para o crescimento e desenvolvimento das crianças.



No entanto, existe uma preocupação pública de que as quantidades relativamente baixas de mercúrio encontradas nos frutos do mar sejam lesivas para o cérebro fetal, fato este que se tornou um limitante do consumo de pescados durante a gestação, porém  com poucas evidências consistentes comprobatórias.  Em recentes publicações, não foram encontradas associações  adversas entre os níveis de mercúrio no sangue materno e o desenvolvimento neurocognitivo de crianças. 
O mercúrio está naturalmente presente na maioria dos peixes, entretanto, sabe-se que para haver dano a saúde, o consumo necessita estar bem além do que a maioria da população ingere. Um estudo realizado em gestantes e seus filhos na República de  Seychelles, que alimentam-se diariamente de peixes (exposição ao mercúrio dez vezes maior do que os valores registrados nos Estados Unidos) não evidenciou  nenhum desfecho negativo.
Por isso,  a Food and Drug Administration (FDA) e a Environmental Protection Agency (EPA) publicaram, no ano passado, uma nova orientação que difere da recomendação anterior de 2004 - mulheres que pretendam engravidar ou que estejam grávidas devem ingerir de 2-3 porções semanais de peixes, evitando os tipos de pescados considerados mais contaminados pelo mercúrio. É sabido que os riscos relacionados à exposição de mercúrio dependem não só da quantidade de peixe consumida, mas também dos níveis de mercúrio contidos em cada espécie. As entidades acima citadas também forneceram uma lista com 62 tipos de peixes, crustáceos e moluscos e os dividiram em três categorias de segurança: melhores escolhas, boas escolhas e escolhas a serem evitadas. Os peixes do grupo “melhores escolhas” incluem o salmão, o atum enlatado light , a tilápia, o bagre e o bacalhau. Já o atum bigeye, o tubarão, o peixe-espada e o marlin estão na categoria que deve ser evitada.
Todavia, a nova orientação, não citou os benefícios ao desenvolvimento neurocognitivo  do consumo de peixe durante a gestação.  Várias entidades, como a  Organização Mundial da Saúde, destacam a melhora do neurodesenvolvimento como um benefício específico do consumo de peixe. As evidências científicas dos benefícios subjacentes do consumo de peixe para o desenvolvimento cognitivo são fortes, como já publicado em uma revisão sistemática de Starling e colaboradores em 2015. Um outro estudo mostrou que os filhos de mulheres que consumiram uma média de 588 g de peixe semanais (quantidade acima da recomendação atual) tiveram pontuações totais mais altas de desenvolvimento verbal, motor, memória e desenvolvimento cognitivo global. Calcula-se, atualmente, que o consumo recomendado de peixe possa aumentar de 3-5 pontos no QI da criança.
Ao contrário do consumo de peixe, a suplementação com cápsulas de ômega-3 não oferece  o mesmo benefício – a razão para isso ainda não é totalmente compreendida, mas se imagina que outros nutrientes presentes no peixe (e não apenas o ômega-3) contribuam para os benefícios neurocognitivos.
Logo, é imperioso que os médicos e nutricionistas reconheçam a importância de informar às gestantes sobre estes benefícios, uma vez que esta informação pode estimular o consumo e, assim, mulheres e crianças pequenas irão obter os benefícios da ingesta do peixe. 

Referências:
1 - Van Wijngaarden E, Thurston SW, Myers GJ, et al. Methyl mercury exposure and neurodevelopmental outcomes in the Seychelles Child Development Study Main cohort at age 22 and 24 years. Neurotoxicol Teratol. 2017;59:35-42.
2 - Julvez J, Méndez M, Fernandez-Barres S, et al. Maternal consumption of seafood in pregnancy and child neuropsychological development: a longitudinal study based on a population with high consumption levels. Am J Epidemiol. 2016.
3 - Starling P, Charlton K, McMahon AT, Lucas C. Fish intake during pregnancy and foetal neurodevelopment—a systematic review of the evidence. Nutrients. 2015;7(3):2001-2014.
4 - What you need to know about mercury in fish and shellfish. US Food and Drug Administration website. https://www.fda.gov/Food/FoodborneIllnessContaminants/Metals/ucm351781 .htm. Published March 2004. Last Updated January 25, 2018. Accessed November 11, 2017.
5 - Bramante CT, et al. Fish Consumption During Pregnancy: An Opportunity, Not a Risk. JAMA Pediatr. 2018.

Dra. Luciana Dornelles Sampaio Peres
Médica Endocrinologista
CREMERS 34.995 - RQE 29.637

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Informações úteis para vegetarianos e veganos

É cada vez mais comum o número de adeptos a dietas vegetarianas e veganas no Brasil. Uma pesquisa realizada pelo IBOPE em abril de 2018, mostrou que 14% dos brasileiros estão excluindo a carne do cardápio. A pesquisa mostra, ainda, o crescimento do interesse populacional por produtos veganos (livres de qualquer ingrediente de origem animal, não apenas a carne).



As dietas vegetariana e vegana estão associadas a muitos benefícios para a saúde devido ao alto teor de fibras, vitaminas, minerais e ao menor consumo de gorduras saturadas. Tem sido observada uma menor incidência de obesidade, diabetes tipo 2,  doença cardiovascular, hipertensão, dislipidemia e até de alguns tipos de câncer nesta população. 
Entretanto, seus praticantes, quando não bem orientados, do ponto de vista nutricional, têm maior risco de desenvolver deficiências de macro e micronutrientes, principalmente de vitamina B12, vitamina D, zinco, ferro, cálcio e ácidos graxos ômega-3. 
Diante desse contexto, torna-se imprescindível que os praticantes, seus médicos e nutricionistas estejam atentos a todas estas possibilidades!
A adequação nutricional da dieta vegetariana/vegana deve ser feita individualmente, com base no tipo, quantidade e variedade de nutrientes consumidos por cada seguidor.
De todas essas deficiências possíveis, chamo a atenção para a deficiência de vitamina B12 (principalmente em veganos), que pode causar um tipo de anemia, que chamamos de anemia megaloblástica, doenças neurológicas (incluindo demência e declínio cognitivo) e aumento da homocisteína (substância associada com o aumento do risco de doenças cardiovasculares). Normalmente, haverá  a necessidade de reposição desta substância com suplementos vitamínicos.
Mas, cuidado com a auto-medicação! Existe a crença popular (muito provavelmente gerada e impulsionada pela indústria) de que quanto mais vitaminas ingerirmos, melhor será a nossa saúde. Essa crença tem levado ao uso indiscriminado de vitaminas, razão pela qual podemos observar a quantidade de marcas e tipos disponíveis nas prateleiras das farmácias! 
É de suma importância  que as pessoas tenham conhecimento de que as vitaminas, quando ingeridas sem indicação, podem ser tóxicas ao nosso organismo! Doses excessivas de vitamina C podem aumentar o risco de cálculo renal, de vitamina D podem causar hipercalcemia, assim como o uso exagerado de vitamina A, na gestação, pode produzir anomalias e malformações no feto.
Desta forma, ao escolher o tipo de alimentação que você quer seguir, procure também um profissional especializado para te orientar!

Fontes:
1- Winston J Craig. Health effects of vegan diets.
2- Paul N. Appleby and Timothy J. Key. The long term health of vegetarians and vegans.
3- Vitamin supplementation in disease prevention. UpToDate OnLine.

Dra. Luciana Dornelles Sampaio Peres
Médica Endocrinologista
CREMERS 34.995 - RQE 29.637

terça-feira, 28 de agosto de 2018

Tratamentos para osteoporose e procedimentos odontológicos - o que médicos e dentistas precisam saber?

Segundo a International Osteoporosis Foundation (IOF ou Fundação Internacional de Osteoporose, em português), a osteoporose afeta aproximadamente 200 milhões de mulheres no mundo, 10 milhões só no Brasil. Estima-se que uma em cada 3 mulheres e um em cada 5 homens com mais de 50 anos sofrerá uma fratura por fragilidade óssea. O quadril é mais gravemente afetado. Fraturas dessa região causam morte em até 20% dos casos nos primeiros 12 meses. Os que sobrevivem invariavelmente apresentam dor crônica e redução de mobilidade. Além disso, a presença de uma fratura prévia aumenta para 86% o risco de uma nova.

Osteonecrose de mandíbula
O tratamento para osteoporose é baseado em medidas comportamentais (como atividade física regular, abandono do tabagismo, redução do risco de quedas, avaliação das necessidades individuais de cálcio e vitamina D) e terapia farmacológica com eficácia comprovada na prevenção de fraturas. Entre as opções disponíveis, as drogas com ação antirreabsortiva estão entre as mais utilizadas: bisfosfonatos (alendronato, ibandronato, risedronato e ácido zoledrônico) e denosumabe. Estas drogas atuam inibindo as células responsáveis pela reabsorção óssea (chamadas osteoclastos), fenômeno que aumenta progressivamente após a terceira década de vida à medida que a formação óssea diminui. Com o tratamento há redução do remodelamento ósseo e da angiogênese (crescimento de novos vasos sanguíneos), fatores que podem contribuir para a ocorrência de um evento adverso raro, a osteonecrose de mandíbula (ONM).
A ONM é definida pela American Society of Bone and Mineral Reasearch como uma área de tecido ósseo exposto na região maxilofacial que não cicatriza após 8 semanas em um indivíduo que foi exposto a uma droga antirreabsortiva e não recebeu radioterapia. Apresenta incidência muito baixa, inferior a 0.001% em indivíduos tratados para osteoporose. Outros fatores de risco estão frequentemente presentes em pacientes com esta complicação: diabetes, tabagismo, uso de glicocorticoides, imunossupressão, doença periodontal prévia e má higiene oral. O uso de doses elevadas de bisfosfonatos (como ácido zoledrônico mensal em pacientes oncológicos) também está associado a maior risco de ONM, com incidência entre 1 – 10%.
Em pacientes recebendo baixas doses de bisfosfonatos ou denosumabe para tratamento da osteoporose, não há indicação de descontinuar a medicação para realização de procedimentos dentários invasivos. Apesar de alguns profissionais indicarem a suspensão do tratamento por um período (usualmente alguns meses) antes do procedimento, não existem dados que mostrem melhora dos desfechos dentários ou menor incidência de ONM com esta conduta. Também não há utilidade clínica em realizar dosagem de telopeptídeo C-terminal tipo 1 (CTX), um marcador de reabsorção óssea, para selecionar indivíduos com maior risco desta complicação, já que este marcador estará suprimido em pacientes com boa aderência ao tratamento. 
Durante a terapia e seguimento do paciente com osteoporose, manter uma boa higiene oral é fundamental para prevenir o desenvolvimento da ONM. Os pacientes também devem ser orientados a realizar revisões periódicas da saúde bucal e procurar um profissional capacitado em caso de dor, desconforto ou mobilidade dentária. Em cada caso, o julgamento clínico deve guiar a decisão terapêutica levando em consideração o tempo e as doses das drogas antirreabsortivas que estão sendo utilizadas, a presença de outros fatores de risco como doença periodontal e imunossupressão, bem como severidade da condição dentária que está indicando a intervenção.  A ABRASSO (Associação Brasileira de Avaliação Óssea e Osteometabolismo) recomenda que tratamentos odontológicos cirúrgicos sejam realizados, sempre que possível, antes de iniciar a terapia com drogas antirreasortivas. Caso isso não seja possível, o médico deve orientar o paciente a comunicar seu dentista sobre o uso destes medicamentos, e a decisão deve ser individualizada priorizando a realização do procedimento com segurança sem comprometer o tratamento da osteoporose.

Referências:
1. https://www.iofbonehealth.org/facts-statistics
2. http://abrasso.org.br/
3. Anagnostis P, Paschou SA, Mintziori G, Ceausu I, Depypere H, Lambrinoudaki I, et al. Drug holidays from bisphosphonates and denosumab in postmenopausal osteoporosis: EMAS position statement. Maturitas. 2017, 101:23-30.
4. Kan M, Cheung AM, Khan AA. Drug-related adverse events of osteoporosis therapy. Endocrinol Metab Clin N Am 2017, 46: 181–192.
5. Khosla S, Bilezikian JP, Dempster DW, Lewiecki EM, Miller PD, Neer RM, et al. Benefits and Risks of Bisphosphonate Therapy for Osteoporosis. JCEM 2012, 97: 2272-2282.
6. Camacho PM, Petak SM, Binkley N, Clarke BL, Harris ST, Hurley DL, et al. American Association of Clinical Endocrinologists and American College of Endocrinology Clinical Practice Guidelines for the Diagnosis and Treatment of postmenopausal Osteoporosis — Endocr Pract 2016, 22: suppl 4.
7. Compston J, Cooper A, Cooper C, Gittoes N, Gregson C, Harvey N, et al. The National Osteoporosis Guideline Group (NOGG). UK clinical guideline for the prevention and treatment of osteoporosis. Arch Osteoporos 2017; 12:43.

Dra. Tayane Muniz Fighera
Médica Endocrinologista com área de atuação em Densitometria Óssea
CREMERS 32014 - RQEs 27144 e 28021

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Comer pouco carboidrato pode encurtar sua vida? - o estudo ARIC

"Diga-me o que comes, que te direis se és saudável". Que bom seria se fosse tão simples assim! Estudos sobre alimentação costumam gerar interesse e... acirrar os ânimos! Mas, devemos ter cuidado ao interpretar estes dados. Opiniões pré-formadas e passionalidade não ajudam na leitura deste tipo de evidência. Dito isto, vamos discutir os achados do estudo ARIC (Atherosclerosis Risk in Communities), publicado em meados de agosto de 2018, no periódico científico The Lancet - um dos mais respeitados do mundo.

No estudo ARIC, a substituição de carboidratos por carnes diminuiu a expectativa de vida.

No final da década de 1980, o estudo ARIC, ainda em andamento, começou. Seu principal objetivo é identificar fatores de risco para doenças cardiovasculares em uma amostra da população americana. Uma vez que a alimentação tem grande impacto na saúde, foram aplicados questionários, para saber o que os participantes da pesquisa comiam.
Mais de 15 mil homens e mulheres, com idade entre 45 e 64 anos, foram acompanhados por cerca de 25 anos. Durante este período, 6283 pacientes morreram. Mesmo após ajuste dos dados para idade, sexo, etnia, consumo calórico, diabetes, tabagismo, atividade física, renda e nível educacional; a alta ingestão (mais de 65%) e, especialmente, a baixa ingestão (menos de 30%) de carboidratos se associaram à redução na expectativa de vida. Menos 4 anos para quem comia pouco "carbo" e menos 1,1 anos para quem comia muito.
Quando reduzimos a proporção de um nutriente, é esperado que outros o substituam. Ao reduzir carboidratos, podemos aumentar as fontes de proteína e de gordura. Ainda segundo o achados do ARIC, se estas fontes forem de origem animal ou vegetal, faz toda a diferença. O aumento da mortalidade só aconteceu no grupo que substituiu os carboidratos por fontes animais de proteína e gordura (especialmente carnes vermelhas). Já o grupo que substituiu os carboidratos por oleaginosas, manteiga de amendoim, pão preto e chocolate amargo, apresentou menor risco de morte. Os autores demonstraram que estes achados foram parecidos com os de outros trabalhos já publicados, ou seja, parecem ser consistentes.
Mas e aí? Como podemos utilizar estas informações para melhorarmos nossas escolhas à mesa? Antes de tudo, é importante mencionar que, como qualquer estudo sobre dieta, o ARIC tem suas limitações...
A mais notória é a maneira como a alimentação foi avaliada - através de dois questionários de frequência alimentar aplicados em 1987-1989 e 1993-1995. Ora, o padrão alimentar individual tende a variar durante o tempo por diversos motivos: acesso aos alimentos, políticas públicas, orientações médicas, comportamento e aspectos socioculturais. Quanto mais o tempo passa, é menos provável que aquele questionário ainda reflita o padrão alimentar de um determinado indivíduo. No entanto, existem estudos mostrando que apesar da ingesta calórica americana ter aumentado nas últimas duas décadas, a composição da dieta tem se mantido parecida.
Outro problema é o desenho do estudo - uma coorte. Estudos deste tipo são ótimos para gerar hipóteses que precisam ser devidamente testadas em ensaios clínicos randomizados. Por outro lado, ensaios clínicos randomizados que avaliem orientações nutricionais na população geral são pouco práticos, devido aos grandes custos envolvidos.
Um dos méritos do ARIC foi avaliar o risco de morte ao se substituir os carboidratos por fontes de proteína e gordura animal ou vegetal. Ao substituir carboidratos por carnes, é esperado que a ingesta de fibras, fitoquímicos, algumas vitaminas e minerais fique comprometida. Logo, haveria aumento do estresse oxidativo e estímulo a vias inflamatórias, diminuindo a longevidade. Isto também vale para peixes, ovos e derivados lácteos magros, alimentos também de origem animal? O estudo não responde.
Por fim, os dados válidos para uma população nem sempre se aplicam a um indivíduo. Imagine uma pessoa que consumia 55% de carboidratos, 20% de proteínas e 25% de gorduras - uma dieta equilibrada quando aos macronutrientes. Mas comia demais e era obesa, hipertensa e diabética. Esta pessoa resolveu restringir carboidratos refinados, passando a comer proporcionalmente mais frango, peixe, ovos, queijo e iogurte. Ou seja, aumentou a ingesta de proteína e gordura animal. Por conta disso, conseguiu emagrecer e controlar melhor o diabetes e a pressão arterial. Será que este novo padrão alimentar, para este indivíduo, está encurtando sua expectativa de vida? Pouco provável.
O que de fato aproveitamos do ARIC é que extremismos alimentares, principalmente quando oferecem pouca variabilidade alimentar, podem fazer mal à saúde. Estudos bem desenhados, com tempo suficientemente longo, são necessários para identificar quem de fato se beneficiaria ou seria prejudicado por padrões alimentares com baixa ingestão de carboidratos (low carb, very low carb, paleo, cetogênica). Até lá, para a maioria de nós, ainda é melhor optar pela prudência - comer de tudo um pouco, especialmente se vier da feira e for pouco processado.

Fonte:
Sara B Seidelmann, Brian Claggett, Susan Cheng, Mir Henglin, Amil Shah, Lyn M Steffen, Aaron R Folsom, Eric B Rimm, Walter C Willett, Scott D Solomon. Dietary carbohydrate intake and mortality: a prospective cohort study and meta-analysis. Published online August 16, 2018 http://dx.doi.org/10.1016/S2468-2667(18)30135-X.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Avaliação laboratorial do cortisol - o hormônio do estresse

Fato importante: o cortisol é um dos exames mais indevidamente solicitados e mal interpretados na prática médica. A proliferação de "pseudoespecialistas", infelizmente, é fenômeno mundial. Estes profissionais com formação deficiente têm por hábito solicitar listas intermináveis de exames sem indicação precisa, antes mesmo de terem atendido o paciente. Sem treinamento apropriado, é comum que não consigam interpretar, ou pior, que interpretem de maneira errada dosagens hormonais.
A seguir, elenquei alguns pontos importantes que os médicos endocrinologistas costumam observar ao pedir e interpretar dosagens de cortisol.


1- O cortisol apresenta secreção episódica e seus níveis variam ao longo do dia. Em indivíduos normais, que dormem durante à noite, os níveis de cortisol no sangue são mais elevados nas primeiras horas do dia (entre 10 e 20 mcg/dL) e baixas à meia noite (menores que 5 mcg/dL). Chamamos isso de ritmo circadiano do cortisol. Para pesquisar excesso de cortisol, as dosagens noturnas são mais úteis. Para pesquisar deficiência, usam-se as dosagens ao acordar.

2- Existem diversos métodos laboratoriais de dosagem do cortisol. Os mais comuns são os radioimunométricos. Cada método tem suas vantagens e desvantagens. É importante que o médico endocrinologista  conheça as limitações dos diferentes formas de dosar o cortisol para não interpretar um exame de forma equivocada.

3- No sangue, o cortisol é transportado por uma proteína chamada CBG. Logo, qualquer condição que aumente ou diminua a concentração de CBG pode também aumentar o diminuir os níveis de cortisol. Gravidez, uso de pílula anticoncepcional, obesidade e elevações da glicose com deficiência de insulina elevam a CBG. Aumento dos níveis de insulina, hipertireoidismo, doença grave no fígado e perda de proteínas na urina (síndrome nefrótica) reduzem a CBG. Além disso, algumas pessoas já nascem com elevação ou redução da CBG por alterações genéticas.

4- Doenças como depressão grave, alcoolismo, síndrome dos ovários policísticos e diabetes podem causar elevações fisiológicas do cortisol. Chamamos este quadro de pseudoCushing.  Estresse físico intenso (cirurgia, dor), anorexia ou exercícios de intensidade elevada frequentes também podem elevar o cortisol.

5- Diversos medicamentos podem interferir na dosagem do cortisol. O uso de corticoides, seja tópico ou via oral, é a causa mais comum. Pode ocorrer tanto elevação quanto diminuição dos níveis dependendo do corticoide usado e do método de dosagem.

6- Pode-se avaliar os níveis de cortisol livre, isto é, não ligado à CBG de duas formas: através da dosagem na urina ou na saliva. Aqui uma ressalva importante: o ÚNICO hormônio com pontos de corte validados e clinicamente útil dosado na saliva é o cortisol. Maus profissionais costumam dosar mil e uma coisas na saliva. A utilidade destas dosagens é desconhecida (assista ao vídeo abaixo).



7- O bom médico NUNCA solicita dosagem de cortisol sem uma indicação precisa. Tanto o hipercortisolismo (síndrome de Cushing) quanto o hipocortisolismo (insuficiência adrenal) são doenças pouco frequentes que apresentam achados sugestivos do diagnóstico. Na maioria dos casos, além das dosagem basais - nos horários e através dos métodos corretos - também é preciso lançar mão de testes dinâmicos que estimulam ou suprimem a produção do cortisol. Estes testes são complexos e também exigem cuidado na realização e interpretação.

Fonte:
1- Nieman LK. Measurement of cortisol in serum and saliva. UpToDate.

Dr. Mateus Dornelles Severo
Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991