quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Batata yacon: vale a pena investir?

Volta e meia algum alimento ganha a alcunha de “super”. Diariamente somos bombardeados com informações sobre alimentos ditos funcionais. A batata yacon, já há algum tempo, divide os holofotes com goji berry, chia e companhia limitada. Mas vale a pena investir nesse tubérculo pensando em melhorar a saúde?


A batata yacon (Smallanthus sonchifolius) vem da Cordilheira dos Andes. Foi introduzida com sucesso no Brasil em 1994, por ser muito adaptável a diferentes condições de clima e solo. O interior do estado de São Paulo é o maior produtor nacional do tubérculo.
Uma peculiaridade desta batata é seu alto valor nutricional. Diferente de outros tubérculos que armazenam energia na forma de amido, a yacon guarda carboidratos na forma de frutooligossacarídeos: FOS para os íntimos. Nós não conseguimos digerir os FOS, que acabam sendo usados como alimento pelas bactérias do intestino. Toda substância que estimula o crescimento de bactérias benéficas pode ser chamada de prebiótica. Ponto para a yacon! A proliferação destes microrganismos tem o potencial de trazer benefícios à saúde. Além de melhorar o funcionamento do intestino, ajudam a proteger de infecções e modular nosso sistema imunológico.
Além dos FOS, outras vantagens nutricionais da batata yacon são seu baixos valor calórico e índice glicêmico, já que é rica em água (até 90% do peso) e em fibras (FOS). Estas características são interessantes especialmente para quem precisa enxugar alguns quilos ou domar a glicose no sangue.
Não há como negar que se trata de um alimento com perfil interessante. Mas se eu estiver acima do peso ou com diabetes, vale a pena investir na yacon?
Depende! Obesidade e diabetes são doenças multifatoriais. São causadas por hábitos alimentares inapropriados e pouca atividade física, além de fatores genéticos. Não é o consumo isolado de um único alimento que vai prevenir ou tratar estas doenças. Além disso, não há estudos suficientemente robustos que justifiquem o uso rotineiro da “batata dos Andes” com estes objetivos.
Para quem quiser experimentar, o sabor e a textura são parecidos com de uma pera. A yacon pode ser consumida em saladas, sucos ou mesmo in natura, dentro de uma dieta equilibrada e de uma rotina de atividades físicas regulares. Caso o acesso a este alimento não seja fácil, dá para substituir por outros que tenham propriedades parecidas. Beterraba, alho, cebola, tomate, banana e trigo também são ricos em FOS.

Fonte: Desmistificando dúvidas sobre alimentação e nutrição : material de apoio para profissionais de saúde / Ministério da Saúde, Universidade Federal de Minas Gerais. – Brasília : Ministério da Saúde, 2016.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Vamos conversar sobre o glúten?


O glúten é um nome geral dado às proteínas encontradas em cereais como trigo, centeio, cevada (chamados de "The Big 3"), aveia e triticale – um grão híbrido resultante da mistura do trigo e do centeio. A aveia é mantida na categoria de cereal que contem glúten, embora essa posição seja questionada. O problema é que a maior parte da aveia disponível sofre contaminação decorrente da proximidade da plantação do trigo, centeio ou cevada. Quando pura, deve constar no rótulo "livre de glúten" e pode ser consumida por algumas pessoas intolerantes ao glúten. Mas qual a função do glúten?

Ele é responsável por dar a viscosidade, dar a "liga" necessária para dar forma ao alimento, além de melhorar a sua palatabilidade. Por isso um dos motivos de se sovar uma massa ao fazer um bom pão é ativar essas propriedades do glúten. Além da proteína, os alimentos que contém glúten são altamente ricos em carboidratos, fibras, vitaminas do complexo B, ferro, cálcio e magnésio. Estão incluídos nesse grupo pães, massas, bolos, bolachas, cerveja, cereais, molhos e muitos outros. Chamo a atenção que os alimentos que contém glúten são importantes fontes nutricionais e não há nenhum motivo para tirá-los da dieta, como se tem defendido por alguns, exceto se há uma intolerância real ao glúten. Vejo as pessoas, incluindo alguns profissionais de saúde, com uma visão muito distorcida sobre o assunto. Pior, tenho visto diagnósticos de intolerância ao glúten feito por exames questionáveis e sem nenhuma comprovação científica, como "testes da unha ou do cabelo" e outras tantas invenções para se criar doenças que não existem e ganhar dinheiro. Vamos esclarecer esse assunto?

Só existem 2 situações em que o glúten pode fazer mal à saúde: 1) quando se consome em excesso os alimentos que contém glúten e 2) quando se tem uma das chamadas "Desordens Associadas ao Glúten". No primeiro caso, o consumo excessivo de alimentos que contém glúten obviamente resulta em um exagero de consumo de carboidratos, o que sabidamente resulta em maior ganho de peso. Portanto, nesse caso não é o glúten o "vilão" e sim os hábitos alimentares. Quando se faz uma dieta sem glúten para emagrecer, se tira da dieta esses alimentos, além de se controlar  o consumo de gorduras. Na verdade se reduz a quantidade de calorias diárias, o que resulta em redução de peso. Não se engane, não é a retirada do glúten que emagrece e sim a reeducação alimentar. A maioria das pessoas que dizem que glúten causa "barriga" e depois de cortá-lo emagreceram se dão por conta que antes comiam muito mais do precisavam. Ah, podem ficar tranquilos, o glúten também não "gruda" os seus intestinos!

Na segunda situação, sobre as Desordens Associadas ao Glúten, vou utilizar as informações de um recente artigo da Associação Italiana de Gastroenterologistas e Endoscopistas Hospitalares (AIGO), publicado em novembro de 2016 (1). Existem doenças em que realmente não se pode consumir o glúten, que são 3: 1) a Doença Celíaca, 2) a Alergia ao Trigo e 3) a Sensibilidade ao Glúten  Não-Celíaca. Todos esses diagnósticos devem ser feitos por um médico com experiência nessa área, ok?

A  Doença Celíaca é uma doença auto-imune e herediária, isto é, o corpo forma defesas (anticorpos) contra as células da mucosa do intestino quando elas tem contato com o glúten. Essa reação auto-imune acaba inflamando e atrofiando a mucosa do intestino. Nessas pessoas, obrigatoriamente há uma predisposição genética para a doença aparecer. Acomete cerca de 1% da população e o grupo de risco para ter a doença inclui a) pessoas que tem familiares em primeiro grau (pais, irmãos ou filhos) com doença celíaca, b) pessoas com outras doenças auto-imunes, principalmente diabetes tipo 1 e doença de Hashimoto (doença auto-imune da tireóide) e c) pessoas com determinadas alterações genéticas (síndrome de Down e síndrome de Turner). Geralmente se manifesta por diarreia ou alteração do hábito intestinal, emagrecimento inexplicado ou, em crianças, atraso do crescimento; cólica, desconforto e estufamento da barriga, gases, azia. Pode causar má absorção de nutrientes, resultando em cansaço, desnutrição, deficiência de vitaminas e minerais, anemia e até infertilidade. O diagnóstico correto é feito pela dosagem dos anticorpos (principlmente o chamado anticorpo anti-transglutaminase) e por biópsia do intestino delgado via endoscopia. Portanto, se alguém disser que você tem Doença Celíaca fazendo um teste ‘da unha’, desconfie e questione.

Na Alergia ao Trigo, o nosso sistema imunológico é ativado logo que o nosso organismo tem contato com o cereal, desencadeando uma reação alérgica ao alimento. Embora os outros cereais que contém glutem possam também causar a alergia, é mais comum com o trigo. Não é uma doença frequente, mas nas pessoas que tem,  os sintomas variam desde rinite, asma (geralmente se tem exposição no mauseio da farinha de trigo, como em padarias), urticárias pelo corpo, diarreia e cólica. O diagnóstico é difícil, não tem uma exame que com certeza comprove, embora a maioria das vezes se pode dosar o anticorpo (chamado de IgE).

No caso da Sensibilidade ao Glúten  Não-Celíaca, é um pouco mais complicado. São pessoas que não são celíacas e não tem alergia, mas apresentam intolerância ao consumo do glúten. Estima-se que cerca até 13% da população apresente e é mais frequente em mulheres entre 30 e 40 anos. Os sintomas são parecidos com a Doença Celíaca, mas não se detectam anticorpos e/ou a biópsia do intestino é normal. Eles surgem quando se consome alimentos que contém glúten. Não existe um exame específico para fechar o diagnóstico. Além disso, muitas pessoas já vem restringindo o glúten, na maioria da vezes de forma incompleta, o que atrapalha a avaliação. A primeira coisa é descartar a Doença Celíaca e a Alergia ao Glúten e para isso é preciso que a pessoa esteja comendo esses alimentos por pelo menos 2 semanas, pois senão os exames vem "mascarados". Feito isso, se faz uma restrição padrão e, na sequencia, uma reintrodução do glúten para observar como a pessoa se sente.

Como podem observar, não basta simplesmente cortar o glúten da dieta. É preciso entender como ele realmente age em nosso corpo, evitando modismos e restrições desnecessárias. A meu ver, restringir sem necessidade pode causar alterações nutricionais, um consumo compensatório de gorduras, deficiências de micronutrientes e distúrbios do comportamento alimentar (como compulsão, anorexia e bulimia). É preciso pensar que o problema pode não ser o glúten, mas o consumo de alimentos em excesso. Se você percebe algum sintoma, não restrinja por conta, pois você pode atrapalhar e atrasar o diagnóstico de uma doença importante. Questione sempre que for recomendado restringir o glúten da sua dieta e sempre procure um médico. Afinal, lembre-se que se todo mundo tem um pouco de médico, todo mundo também tem um pouco de louco.

Fonte:
Elli L, Villalta D, Roncoroni L, Barisani D, Ferrero S, Pellegrini N, Bardella MT, Valiante F, Tomba C, Carroccio A, Bellini M, Soncini M, Cannizzaro R, Leandro G. Nomenclature and diagnosis of gluten-related disorders: A position statement by the Italian Association of Hospital Gastroenterologists and Endoscopists (AIGO). Dig Liver Dis. 2016 Nov 4. pii: S1590-8658(16)30782-4. doi: 10.1016/j.dld.2016.10.016.

Dr. Eduardo Guimarães Camargo
Médico Endocrinologista
CREMERS 23.404 - RQE 17.086

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Hipertireoidismo em crianças e adolescentes

Disfunções na tireoide não são exclusividade dos adultos. A glândula dos pequenos também pode ser afetada pelos mesmos problemas. Alguns sinais e sintomas são os mesmos em todas as faixas etárias. Outros, especialmente os relacionados ao crescimento e desenvolvimento, são peculiares em crianças e adolescentes. Vejamos o que pode acontecer em um quadro de hipertireoidismo...



Chamamos de hipertireoidismo a produção de hormônios em excesso pela tireoide. Não confunda com hipotireoidismo, que é o mal o funcionamento da glândula. A estimativa é que uma em cada 100.000 crianças menores de 15 anos desenvolva hipertireoidismo a cada ano. Meninas, principalmente durante a adolescência, tendem a ser mais acometidas. O efeito dos hormônios femininos durante a puberdade é a explicação, já que doenças autoimunes da tireoide são mais comuns em mulheres. Aliás, a doença de Graves, causada por anticorpos que estimulam a produção dos hormônios tireoidianos, é a causa mais comum de hipertireoidismo em crianças e adolescentes, contabilizando 96 por cento dos casos. Pacientes com síndrome de Down apresentam maior risco para doença de Graves.
Os sintomas clássicos de hipertireoidismo são:
- aumento do tamanho da glândula tireoide (bócio).
- tremor fino, perceptível especialmente nas mãos quando se estende os dedos.
- olhar fixo, brilhante e com as pálpebras retraídas.
- coração acelerado e palpitações.
- perda de peso involuntária mesmo com a ingestão de alimentos aumentada.
- pele fina, quente e com aumento do suor.
- diminuição da força muscular, perceptível principalmente na musculatura proximal, que torna mais difícil subir escadas ou levantar de assentos próximos ao chão.
- aumento da velocidade do trânsito intestinal, que resulta em mais idas ao banheiro para fazer cocô e, em alguns casos, diarreia.
- orbitopatia, que é a inflamação dos tecidos que envolvem o globo ocular, em alguns casos de doença de Graves.
Além disso, o excesso de hormônios tireoidianos acelera a maturação das cartilagens de crescimento, fazendo a criança crescer mais rápido do que o esperado. Este sinal pode passar despercebido, principalmente se a doença é leve e tem curta duração.
O desenvolvimento puberal não costuma ser afetado pelo hipertireoidismo. No entanto, meninas que já tiveram a primeira menstruação (menarca) podem deixar de ovular. Isso leva a atrasos ou mesmo a interrupção completa do fluxo menstrual.
Por fim, crianças com hipertireoidismo, especialmente as menores, tendem a apresentar mais oscilação do humor e distúrbios do comportamento que os adultos. A atenção diminuída, a hiperatividade e problemas no sono podem prejudicar o aproveitamento escolar e são frequentemente confundidos com TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade). Crianças menores de 4 anos também podem apresentar atraso no desenvolvimento neuropsicomotor.
Na suspeita de hipertireoidismo, crianças ou adolescentes deverão ser avaliados por médico endocrinologista. O diagnóstico pode ser feito através de exames de sangue (TSH, T4 livre, T3 e anticorpos). Em alguns casos, também são necessários exames complementares (ecografia ou cintilografia da tireoide).



Fonte: Clinical manifestations and diagnosis of hyperthyroidism in children and adolescents - UpToDate OnLine

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991