terça-feira, 27 de junho de 2017

O "Pâncreas Artificial" agora é realidade!

Um dos grandes assuntos da 77Th Scientific Sessions da American Diabetes Association 2017 foi o chamado ‘Pâncreas Artificial’, que foi aprovado para uso pela agência regulatória americana (FDA), em setembro do ano passado. Quem trabalha na área e aqueles que convivem com a doença certamente celebraram esse incrível avanço no manejo do diabetes tipo 1. E não é para menos. O projeto é simplesmente fantástico e a sua tecnologia impressiona! Resolvi então compartilhar o que aprendi e fazer um resumo sobre o assunto. 


O Pâncreas Artificial é um sistema eletrônico automático de liberação de insulina basal, também chamado de ‘pâncreas biônico’, ‘sistema de alça-fechada (closed-loop)’ ou ‘sistema de liberação automatica de insulina’. Trata-se de um sistema de ‘bomba’ de insulina que interage com um sensor de glicose através de um complexo software, ou seja, são 3 componentes interligados e interagindo automaticamente. A ‘bomba’ armazena a insulina, é facilmente implantada no tecido subcutâneo e libera o hormônio por um fino cateter; o sensor também é implantado separadamente, próximo a bomba, e dura até 14 dias. Um controle separado, que contém o algoritmo, é o cérebro do sistema e armazena todas as suas informações. Foi desenvolvido pela empresa Medtronic e é chamado de MiniMed 670G system with SmartGuard® HCL technology. O ‘HCL’ significa hybrid close-loop, onde o sistema de ajuste de insulina basal é automático mas necessita que o usuário administre os bolus de insulina para cobrir as refeições (dai o termo híbrido, porque mistura automação com bolus manual). Na prática, o usuário vai aprendendo sobre o sistema e o sistema vai “aprendendo” sobre o usuário, lendo suas glicemias e liberando mais ou menos insulina, de maneira que, com o tempo,  vai liberando a insulina quase que independente e inclusive com alguma cobertura das refeições. O relato de quem usou é de que praticamente esqueceu de que tinha diabetes, já que o sistema atinge  uma autonomia de quase 70% e mantem glicemias dentro da faixa alvo. Já imaginou? Quem tem diabetes tipo 1 sabe o que quero dizer. 

É claro que o MiniMed 670G não é perfeito e ajustes precisam ser feitos, principalmente nos períodos de exercício. Além disso, as insulinas rápidas que temos hoje não conseguem acompanhar a velocidade do sistema e isso pode limitar os resultados; novas insulinas ultra-rápidas estão sendo desenvolvidas e vão ajudar muito. O Pâncreas Artificial está disponível somente nos Estados Unidos, a partir de 14 anos e os seus usuários serão monitorados permanentemente para se ter garantia que o sistema realmente é seguro a longo prazo.  Mas tenho certeza que logo chegará aqui. 




Dr. Eduardo Guimarães Camargo
Médico Endocrinologista
CREMERS 23.404 - RQE 17.086
www.dreduardocamargo.wordpress.com

terça-feira, 20 de junho de 2017

Microbiota e saúde metabólica

Estima-se que existam mais de 100 bilhões de galáxias no Universo... Não estamos sós! Esta afirmação ganha conotação ainda mais relevante quando consideramos todos os microrganismos que “moram” dentro do nosso aparelho digestivo. São cerca de 100 trilhões de seres microscópicos, predominantemente bactérias, que exercem diversas funções importantes, entre elas, regular nosso metabolismo.



O entendimento de que o microbiota intestinal possa exercer papel metabólico importante é relativamente recente. No ano de 2004, pesquisadores perceberam que ratinhos “livres de germes”, isto é, sem bactérias no interior do tubo digestivo, não engordavam quando alimentados com uma dieta rica em açúcar e gorduras. Além disso, quando esses animais eram transplantados com os microrganismos do intestino de animais obesos, acabavam engordando também. Em outras palavras, percebeu-se que os micróbios que habitam o trato gastrointestinal, de alguma forma, propiciavam a uma maior absorção da energia ingerida com os alimentos.
De fato, o nosso microbiota exerce esta e outras funções importantes desde que nascemos e começamos a nos alimentar. Do ponto de vista metabólico, quatro funções são essenciais:

1- Regulação da barreira da mucosa intestinal: o nosso sistema digestivo deve absorver nutrientes e barras substâncias tóxicas. Para que isso ocorra, as células que compõem a mucosa intestinal são fortemente ligadas umas às outras, o que evita qualquer tipo de “vazamento”. Uma das formas do microbiota ajudar nessa função é, literalmente, alimentando as células intestinais. Os microrganismos transformam as fibras da dieta em ácidos graxos de cadeia curta, o principal combustível das células da mucosa intestinal.

2- Controle da captação e da metabolização de nutrientes: dependendo da composição da nossa dieta, a composição do microbiota pode mudar, assim como a forma como aproveita determinados nutrientes. Dependendo de como ocorrer a metabolização de fibras, aminoácidos e sais biliares, a permeabilidade da mucosa intestinal muda, predispondo a maior inflamação, aumento no ganho de gordura e predisposição a distúrbios metabólicos como diabetes, hipertensão e dislipidemia.

3- Modulação do sistema imunológico: ensinar as células do nosso sistema de defesa a se comportar de forma apropriada também é função do microbiota. Os leucócitos devem aprender a identificar e combater as ameaças reais, ao mesmo tempo que evita respostas inapropriadas ou desnecessárias. Diversas doenças ditas autoimunes, como o próprio diabetes mellitus tipo 1, podem ter origem em desbalanços no sistema imunológico.

4- Prevenção da propagação de patógenos: já ouviu aquele ditado “quando os gatos saem os ratos fazem a festa”? A presença de um microbiota saudável evita a proliferação de germes com potencial de causar doenças.

Quando ocorre algum tipo de desbalanço entre as diferentes espécies de micróbios que compõem nossos microbiota, as quatro funções acima ficam prejudicadas. Chamamos essa situação de disbiose. Ainda não está completamente claro o mecanismo que leva à disbiose. No entanto, já se identificaram diferentes influenciadores do microbiota como a via de parto, características genéticas do hospedeiro, exposição a infecções e antibióticos e, principalmente a dieta.
A melhor compreensão da relação que mantemos com as bactérias do nosso intestino, além de esclarecer mecanismos ainda obscuros de algumas doenças, também tem o potencial de ajudar no desenvolvimento de novas modalidades terapêuticas. Assim como no que se refere ao conhecimento do Universo, estamos apenas dando os primeiros passos na exploração desses “microcosmo”…

Fonte: Boulangé CL, Neves AL, Chilloux J, Nicholson JK, Dumas ME. Impact of the gut microbiota on inflammation, obesity, and metabolic disease. Genome Medicine 2016;8:42.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Um pouco mais sobre a “fadiga adrenal”

O termo "fadiga adrenal" tem sido utilizado por alguns médicos e outros profissionais da área de saúde para descrever um quadro clinico que, teoricamente, seria causado por um “esgotamento das adrenais pela exposição crônica a situações estressantes”. De acordo com essa teoria, o estresse crônico poderia levar ao "uso excessivo" das glândulas adrenais resultando em sua falha funcional. Embora sociedades endocrinológicas sérias do mundo inteiro não reconheçam essa tal “síndrome”, alguns profissionais defendem a existência da doença afirmando que ela é uma doença real e subdiagnosticada. Os defensores da existência da “fadiga adrenal” solicitam aos seus pacientes exames desnecessários, muitos deles não reconhecidos ou de validade suspeita, e prescrevem tratamento com corticoide sem necessidade. O uso de corticoides, mesmo que prescritos em doses ditas “pequenas e fisiológicas”, aumentam o risco de desordens psiquiátricas, osteoporose, miopatia, glaucoma, distúrbios metabólicos, distúrbios do sono e doença cardiovascular. 



Recentemente uma metanálise (que é uma técnica estatística especialmente desenvolvida para integrar os resultados de dois ou mais estudos independentes, sobre uma mesma questão de pesquisa) feita por endocrinologistas, analisou diversos artigos publicados sobre o tema com o objetivo de determinar a correlação entre o status adrenal e a queixa de fadiga e também de avaliar os métodos diagnósticos utilizados nesses estudos.

Os estudos utilizaram diferentes testes para avaliar o "status do cortisol”, entre eles, a resposta do cortisol sanguíneo ou salivar ao acordar, ritmo do cortisol salivar, teste de supressão com dexametasona, dosagem de ACTH ao acordar, teste de estímulo com baixas doses de cortrosina, medida de cortisolúria em urina de 24 horas, estimativa de liberação do cortisol medidas através de dosagens seriadas de cortisol salivar, cortisol salivar às 23h, níveis de S-DHEA, razão entre níveis de cortisol e ACTH, entre outros. Embora existam estudos demonstrando diferença entre o grupo de paciente saudáveis em comparação com “paciente fadigados”, questões metodológicas e fatores de confusão são evidentes nesses estudos, o que tornam os resultados de baixa qualidade e pouco confiáveis. Em nenhum estudo publicado foi utilizado o teste padrão-ouro da endocrinologia para avaliar a integridade e funcionalidade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal que é o teste de tolerância à insulina.

Estudando-se síndromes recentemente descritas que tem fadiga entre suas características clinica, como a Síndrome de Burnout (caracterizada por diminuição nas funções cognitivas e emocionais, exaustão e fadiga física que seriam desencadeados por situações estressantes associadas a excesso de trabalho) e a Síndrome da Fadiga Crônica, bem como analisando a fadiga secundária a outras doenças crônicas (como diabetes, neoplasias, HIV...), também não se encontrou nenhum diferença significativa entre níveis de cortisol de paciente doentes quando comparados com controles saudáveis. 

Ainda que qualquer um desses testes usados em estudos publicados sugiram produção insuficiente de cortisol, a etiologia deve ser sempre esclarecida. Como o eixo hipotálamo-hipofisário-adrenal pode ser afetado por vários distúrbios crônicos e/ou metabólicos outras condições primárias devem ser excluídas antes de ser iniciada a avaliação de transtornos intrínsecos do eixo adrenal ou reposição com glicocorticoides. A queixa de fadiga pode estar associada a síndrome da apnéia obstrutiva do sono, insuficiência adrenal propriamente dita, doenças mentais, excesso de trabalho, outras deficiências hormonais, disfunções hepáticas e renais, condições cardíacas, doença pulmonar obstrutiva crônica, doenças auto-imunes, doenças infecciosas, fibromialgia, entre outros.

Sendo assim, exames para avaliação de cortisol ou do eixo adrenal não devem ser utilizados na prática clínica para examinar qualquer condição, exceto se suspeita de deficiência adrenal propriamente dita. A insuficiência adrenal verdadeira, que nada tem a ver com a “fadiga adrenal” é uma doença grave que não causa só fadiga, mas sim um quadro complexo que pode estar associado também à anorexia, sintomas de trato gastrointestinal (náuseas, vômitos...), tontura postural, dores musculares e articulares, perda de peso, hipotensão, anemia, distúrbios hidroeletrolíticos, hipoglicemias, entre outros sintomas. Esse quadro sim é real e grave e pode ser causado por doenças que prejudicam tanto a função da glândula adrenal (como destruição autoimune da glandula, tuberculose, infecções fúngicas, HIV, metástase, infarto adrenal, uso de algumas drogas, defeitos congênitos) como a função do hipotálamo ou da hipófise (como tumores, meningite tuberculosa, sarcoidose, cirurgia ou radioterapia na região hipotálamo-hipofisária, infarto glandular, mutações genéticas...). Apenas nesses casos, onde temos uma doença de fato e uma deficiência de produção hormonal verdadeira, é que a reposição com glicocorticoide está bem indicada. Em pacientes sem indicação, o tratamento traz muito mais riscos que benefícios.

RESUMINDO...

... A avaliação da função adrenal, visando detectar produção de cortisol deficiente, só deve ser pesquisada na suspeita clínica de uma insuficiência adrenal verdadeira e com testes diagnósticos reconhecidos pelas sociedades endocrinológicas. Fadiga adrenal não é uma doença reconhecida pela endocrinologia e os estudos até hoje publicados usam métodos contraditórios para o seu diagnóstico e têm resultados extremamente diversos entre si. Receber e carregar um diagnóstico inexistente pode fazer com que outras doenças estejam passando despercebidas e sem diagnóstico, retardando tratamentos realmente necessários e podendo levar a consequências ainda mais graves a longo prazo.


FONTE
Adrenal fatigue does not exist: a systematic Review - Cadegiani FA, Kater CE - BMC 
Endocrine Disorders (2016) 16:48


Fernanda M. Fleig
Médica Endocrinologista
CREMERS 33785 - RQE 28970
https://www.facebook.com/fernanda.endocrinologista/

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Doença hepática gordurosa não alcoólica (esteatose hepática): o acúmulo de gordura no fígado

Hábitos alimentares inapropriados aliados ao sedentarismo levam a uma série de complicações metabólicas com o passar do tempo. Problemas de saúde, tais como excesso de peso, pressão alta, elevação da glicose e diabetes mellitus, aumento dos níveis de colesterol e maior risco de doenças cardiovasculares vão progressivamente se instalando. Além destes problemas, vem ganhando progressivo destaque a doença hepática gordurosa não alcoólica (o tipo mais comum de esteatose hepática), ou seja, acúmulo de gordura no fígado.
Diferentes estudos demonstram que até 35% da população mundial possa ter este tipo de esteatose hepática, colocando-a como a principal doença do fígado em países ocidentais atualmente. Quanto mais componentes da síndrome metabólica estiverem presentes (glicose alta, aumento da gordura abdominal, pressão alta e alteração nos níveis de colesterol e triglicerídeos) maior é o risco de doença hepática gordurosa.



A grande maioria dos pacientes não sente nada e descobre o problema em exames de imagem ou de sangue. Contudo sintomas como desconforto abdominal, cansaço e mal estar podem estar presentes. Durante a consulta médica, o aumento do fígado por vezes é detectado no exame físico.
A doença hepática gordurosa não alcoólica tem diagnóstico de exclusão, isto é, antes de tudo, os pacientes devem ser avaliados quanto à presença de outras doenças do fígado e perguntados sobre uso de medicamentos e substâncias (álcool, por exemplo) que também podem causar acúmulo de gordura. Depois de excluídas todas as possíveis causas, confirma-se o diagnóstico. Caso permaneçam dúvidas, uma biópsia do fígado pode ser solicitada.
Mas por que a doença hepática gordurosa não alcoólica preocupa? O simples fato de o paciente ter gordura depositada no fígado aumenta de forma independente o risco de doenças cardíacas e vasculares. Além disso, a gordura pode levar à inflamação do fígado causando uma hepatite, a esteato hepatite não alcoólica. Esta pode dentro de alguns anos acabar evoluindo para cirrose com suas consequências como câncer de fígado e transplante hepático.
O tratamento da doença gordurosa hepática não alcoólica consiste em modificar os hábitos de vida para combater as alterações metabólicas, além de tratar os níveis elevados de açúcar e colesterol quando presentes. Infelizmente, tratamentos específicos com remédios ainda deixam muito a desejar.
Não está indicado o rastreamento da doença em pessoas assintomáticas, já que ainda existem dúvidas quanto a melhor forma de se abordar estes casos. Mas medidas preventivas podem ser tomadas e consistem em manter hábitos saudáveis e o peso o mais próximo possível do ideal.

Fonte: Epidemiology, clinical features, and diagnosis of nonalcoholic fatty liver disease in adults - UpToDate Online

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991


sexta-feira, 2 de junho de 2017

Fadiga adrenal: cuidado para não receber o diagnóstico de uma doença falsa

Entre os sintomas mais comuns nos dias de hoje estão a fadiga e o estresse. Quando percebe-se que os níveis de energia estão baixos, as pessoas buscam por respostas e soluções. Algumas procuram por uma “bala mágica” e acreditam que o complexo vitamínico correto será capaz de restabelecer o vigor. Outras querem saber se existem medicamentos ou estimulantes para tratar o quadro. A verdade é que a avaliação de sintomas vagos pode ser um verdadeiro desafio. Muitos de nós temos vidas movimentadas, que por vezes não nos permitem praticar exercícios ou mesmo dormir de forma adequada. A alimentação também acaba prejudicada pela falta de tempo e pela conveniência. A fadiga e o estresse podem fazer parte da vida, mas também podem ser sintomas de doenças mais graves. É justamente o fato de serem sintomas inespecíficos que tornam sua avaliação e tratamento, algumas vezes, não tão fáceis.
Para alguns defensores de “práticas alternativas”, esses sintomas vagos e inespecíficos foram agrupados em uma “doença inventada”, a “fadiga adrenal”. Contudo, não há até o momento qualquer evidência de que a “fadiga adrenal” exista como patologia. A Endocrine Society, uma das mais respeitadas organizações médicas do mundo, posicionou-se sobre o assunto recentemente:
“A fadiga adrenal não é uma condição médica real. Não existem fatos científicos para suportar a teoria que estresse físico, mental ou emocional esgotem as glândulas adrenais e causem sintomas.”



Palavras inequívocas! Mas a medicina baseada em evidências é ainda mais categórica em refutar uma doença falsa...
As adrenais são um par de glândulas localizadas uma sobre cada rim e produzem diversos hormônios, entre eles os hormônios do estresse adrenalina, noradrenalina e cortisol. Será que estas glândulas podem cansar se estimuladas em excesso? Mesmo na ausência de qualquer fato científico, o naturopata James Wilson cunhou o termo “fadiga adrenal” em um livro publicado em 1998. Dê uma olhada no questionário de Wilson abaixo. Você apresenta algum destes sintomas?
1- Cansado sem razão aparente.
2- Dificuldade em acordar de manhã.
3- Necessidade de café, refrigerantes tipo cola, doces ou salgadinhos para ter energia.
4- Sentindo-se para baixo ou estressado.
5- Fissurado em doces ou salgadinhos.
6- Lutando para manter as tarefas de rotina.
7- Não consegue se desenvencilhar do estresse e da doença.
8- Não se diverte.
9- Não tem vontade em manter relações sexuais.
Segundo Wilson, se você convive com qualquer um desses sintomas, você tem “fadiga adrenal”, a “doença falsa” mais prevalente no mundo, já que dificilmente alguém já não apresentou algum desses sintomas.
Porém, este questionário jamais foi validado, não existem provas nem literatura pertinente que possam embasá-lo. Uma busca detalhada na base de estudos médicos Pubmed com os termos “adrenal” AND “fatigue” retorna apenas um resultado relevante, que é uma revisão que não cita as fontes revisadas!
Doenças falsas são agrupamentos de diferentes sintomas dentro de condições sem nenhum embasamento científico. É da natureza do ser humano querer entender os padrões das doenças para propor tratamentos. Porém, definir um simples grupo de sintomas é o primeiro erro nesse processo de compreensão. Isto porque os sintomas precisam ser organizados de uma maneira racional para fazerem sentido dentro de uma síndrome clínica. No caso da “fadiga adrenal”, não existe esta explicação racional da progressão e gravidade dos diferentes sintomas, apenas um agrupamento simples. O segundo grande erro é usar uma lista desorganizada de sintomas para identificar pacientes com a doença. O terceiro erro é usar testes laboratoriais em sangue ou saliva, com suas diversas complicações metodológicas, para diagnosticar uma patologia que não é ao menos descrita de forma apropriada. Por fim, o pior de todos os erros é propor tratamento, seja ele qual for, para algo pobremente definido. Como saber se algo tão “amorfo” está melhorando ou piorando com um tratamento? Como saber se o próprio tratamento não está fazendo mal?
Enquanto a “fadiga adrenal” não existe, os sintomas que muitas pessoas apresentam são sim reais. Estes mesmos sintomas podem ser causados por doenças verdadeiras como apneia do sono, hipotireoidismo, diabetes, depressão, anemia, insuficiência adrenal, neoplasias, entre outras. Ao aceitar o diagnóstico de uma “doença falsa” perde-se tempo em realizar o diagnóstico correto de algo que pode ser potencialmente grave. Por fim, pode ser frustrante apresentar sintomas e após uma avaliação médica pormenorizada não se identificar uma causa. Mas esta situação é melhor do que ter a distração de tratar uma condição fictícia.


Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991