terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Bebidas alcoólicas e diabetes



As festas de final de ano estão chegando e, para alguns, a oportunidade de consumo de álcool aumenta. Mas afinal, pessoas que têm diabetes podem ingerir bebidas alcoólicas? Na maioria das vezes a resposta é sim, mas sempre com cuidado. Na prática, o álcool sempre diminui a glicose no sangue por diminuir a produção de glicose pelo fígado. Alguns poderiam pensar que então até seria bom consumi-lo para manter o diabetes controlado, mas isso não é verdade. A redução da glicose causada pelo álcool não é previsível e geralmente ocorre de forma inesperada, aumentando o risco de hipoglicemia. Além disso, o álcool potencializa alguns medicamentos usados para tratar o diabetes, como as sulfonilureias (glibenclamida, gliclazida, glimepirida) e a insulina, o que também aumenta o risco de hipoglicemia.

A maioria das hipoglicemias causada pelo uso de álcool no diabetes é tardia e ocorre após 6 horas do consumo do álcool. Isso explica a ocorrência de hipoglicemia na madrugada após o consumo de bebida alcoólica durante a janta ou na balada. Dificilmente a hipoglicemia acontece logo após o consumo da bebida alcoólica, exceto se não se alimentou de forma suficiente.
Além de ter efeito direto de reduzir a glicose, o consumo de bebidas alcoólicas diminui a percepção dos sintomas de alerta da hipoglicemia e diminui a resposta hormonal que o organismo normalmente tem para se proteger da queda de glicose. E acaba havendo uma soma dos efeitos do álcool com os da bebida alcoólica. Isso é particularmente importante nos adolescentes com diabetes tipo 1, que acabam consumindo álcool e não se alimentam corretamente, deixando de perceber o risco que estão correndo. Não é incomum que ocorra hipoglicemia quando estão dormindo e ainda sob efeito sedativo do álcool. A dica é sempre se alimentar. Ao chegar em casa, antes de dormir, faça um lanche reforçado.

O risco de hipoglicemia vai aumentando com o aumento da quantidade consumida de álcool. Quanto mais álcool, maior o risco. O limite de ingestão diária recomendado de álcool é de (02) duas porções ao dia para homens e (01) uma porção para mulheres. Uma porção equivale a 360 ml de cerveja (1 lata pequena), 45ml de destilados ou a 150 ml de vinho (1 taça). É claro que depende da tolerância de cada pessoa. Mesmo a cerveja, que contém carboidratos, causa o mesmo risco de hipoglicemia, pois o carboidrato consumido é rapidamente utilizado e não sustenta a glicose por muito tempo (lembrem que a hipoglicemia relacionada ao álcool é tardia!). Isso também explica o pico de glicose alta nas primeiras horas após o consumo da cerveja ou mesmo do vinho. Mas como as pessoas são diferentes, o efeito do álcool pode variar bastante.

Embora vários estudos sugiram que o consumo de doses baixas de álcool seja benéfico para a saúde do coração, não recomendo o seu consumo com esse intuito. Acho que os riscos e prejuízos do consumo frequente de bebidas alcoólicas pesa mais na balança. E por falar em balança, alerto que o álcool só perde em calorias para a gordura e é, portanto, bastante calórico. Sempre que consumir uma bebida alcoólica, lembre que está ingerindo algo que sempre facilitará o aumento do seu peso e consuma de forma consciente. Se quer emagrecer, não consuma álcool em excesso!

Como prevenir os efeitos indesejados do álcool para quem tem diabetes? Primeiro, informe-se sobre os riscos e se decidir consumir, o faça de forma consciente. Segundo, sempre alimente-se! Por último, monitore atentamente a sua glicemia pela ponta de dedo ou pelo sensor pelo menos nas próximas 6 horas após o consumo de bebidas alcoólicas.

Finalmente, para quem tem diabetes, não recomendo o consumo de álcool se: 1) o diabetes está descompensado, 2) se tem tendência a ter hipoglicemias 3) se há presença de complicações do diabetes, principalmente a doença renal, cardíaca e a neuropatia e 4) se há doença gordurosa do fígado (esteatose), que é muito comum associada ao diabetes. Nessas situações, o consumo do álcool aumenta muito a ocorrência de hipoglicemia grave, com perda de consciência, e também pode piorar a evolução das lesões, como na neuropatia e na esteatose. Aproveite as festas de final de ano sem excessos. Afinal, um novo ano, cheio de oportunidades, está prestes a chegar.

Referências:
1. Effects of Alcohol on Plasma Glucose and Prevention of Alcohol-induced Hypoglycemia in Type 1 Diabetes – A Systematic Review with GRADE. Tetzschner R, Nørgaard K, Ranjan A. Diabetes Metab Res Rev. 2017 Nov 14.
2. Substance Use Disorders among Patients with Type 2 Diabetes: a Dangerous but Understudied Combination. Walter KN, Wagner JA, Cengiz E, Tamborlane WV, Petry NM. Curr Diab Rep. 2017 Jan;17(1):2.

Dr. Eduardo Guimarães Camargo
Médico Endocrinologista
CREMERS 23.404 - RQE 17.086
www.dreduardocamargo.wordpress.com

domingo, 3 de dezembro de 2017

Avaliação dos incidentalomas de adrenal através de exames de imagem

Os incidentalomas são lesões descobertas ao acaso em exames solicitados por outro motivo que não seja a avaliação das glândulas adrenais. Por exemplo: o médico solicita uma tomografia para avaliar o fígado e o exame acaba mostrando um nódulo na adrenal esquerda do qual não se desconfiava (figura abaixo).



A descoberta de um incidentaloma levanta duas questões que vão determinar o tipo de avaliação e a necessidade de tratamento:
1 - A lesão é maligna?
2 - A lesão secreta hormônios?
Neste texto, vamos responder ao primeiro questionamento.

Felizmente, a grande maioria dos incidentalomas de adrenal são benignos. Estima-se que apenas  2 a 5 por cento dos nódulos sejam carcinomas (câncer) de adrenal e 0,7 a 2,5 por cento sejam metástases de outros tumores para esta glândula.
Os exames de imagem, com destaque para a tomografia computadorizada, podem ajudar a estimar o risco de uma lesão na adrenal ser maligna. Através do chamado fenótipo da imagem, isto é, das características mostradas pelo exame, dá para ter ideia da natureza do nódulo. A seguir, as principais características de imagem das massas adrenais mais importantes.

Adenomas benignos

Costumam ser redondos, homogêneos e com contorno liso e bem delimitado. O diâmetro normalmente é menor que 4 centímetros. Por serem ricos em gordura, apresentam densidade baixa na tomográfica (< 10 HU), além de eliminarem rapidamente o contraste (washout rápido).

Feocromocitomas

São lesões originárias das camadas mais profundas da adrenal e podem produzir adrenalina e seus derivados causando pressão alta de difícil controle. Por serem lesões altamente vascularizadas, apresentam densidade alta (> 20 HU) e eliminação lenta do contraste na tomografia. O tamanho é bastante variável e podem acometer ambas as adrenais ao mesmo tempo. Em alguns casos, a ressonância magnética pode ajudar no diagnóstico.

Carcinoma adrenocortical

O câncer de adrenal costuma ser unilateral, ter tamanho maior que 4 centímetros, além de ser irregular na forma e na textura. Podem ser vistas áreas de necrose, hemorragia ou calcificações neste tipo de tumor. Assim como os feocromocitomas, também apresentam densidade alta e washout lento na tomografia. Em alguns casos, também podem ser vistos invasão de órgãos próximos e/ou evidência de metástases.

Metástases na adrenal

Frequentemente acometem ambas as glândulas e são bastante heterogêneas. A alta intensidade e eliminação lenta do contraste são evidenciados pela tomografia, já que são lesões bastante vascularizadas. Em alguns casos, a ressonância magnética e o tomografia por emissão de pósitrons podem ser necessários para ajudar no diagnóstico, especialmente quando não o tumor de onde as metástases se originaram não foi localizado.

De uma maneira geral, as lesões com características de adenomas benignos e que não são produtoras de hormônios podem ser acompanhadas clinicamente. Já os tumores suspeitos de feocromocitoma ou de carcinoma adrenal, além dos adenomas com produção de hormônio, são tratados através de cirurgia.



Fonte: The adrenal incidentaloma - UpToDate On Line

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Batata yacon: vale a pena investir?

Volta e meia algum alimento ganha a alcunha de “super”. Diariamente somos bombardeados com informações sobre alimentos ditos funcionais. A batata yacon, já há algum tempo, divide os holofotes com goji berry, chia e companhia limitada. Mas vale a pena investir nesse tubérculo pensando em melhorar a saúde?


A batata yacon (Smallanthus sonchifolius) vem da Cordilheira dos Andes. Foi introduzida com sucesso no Brasil em 1994, por ser muito adaptável a diferentes condições de clima e solo. O interior do estado de São Paulo é o maior produtor nacional do tubérculo.
Uma peculiaridade desta batata é seu alto valor nutricional. Diferente de outros tubérculos que armazenam energia na forma de amido, a yacon guarda carboidratos na forma de frutooligossacarídeos: FOS para os íntimos. Nós não conseguimos digerir os FOS, que acabam sendo usados como alimento pelas bactérias do intestino. Toda substância que estimula o crescimento de bactérias benéficas pode ser chamada de prebiótica. Ponto para a yacon! A proliferação destes microrganismos tem o potencial de trazer benefícios à saúde. Além de melhorar o funcionamento do intestino, ajudam a proteger de infecções e modular nosso sistema imunológico.
Além dos FOS, outras vantagens nutricionais da batata yacon são seu baixos valor calórico e índice glicêmico, já que é rica em água (até 90% do peso) e em fibras (FOS). Estas características são interessantes especialmente para quem precisa enxugar alguns quilos ou domar a glicose no sangue.
Não há como negar que se trata de um alimento com perfil interessante. Mas se eu estiver acima do peso ou com diabetes, vale a pena investir na yacon?
Depende! Obesidade e diabetes são doenças multifatoriais. São causadas por hábitos alimentares inapropriados e pouca atividade física, além de fatores genéticos. Não é o consumo isolado de um único alimento que vai prevenir ou tratar estas doenças. Além disso, não há estudos suficientemente robustos que justifiquem o uso rotineiro da “batata dos Andes” com estes objetivos.
Para quem quiser experimentar, o sabor e a textura são parecidos com de uma pera. A yacon pode ser consumida em saladas, sucos ou mesmo in natura, dentro de uma dieta equilibrada e de uma rotina de atividades físicas regulares. Caso o acesso a este alimento não seja fácil, dá para substituir por outros que tenham propriedades parecidas. Beterraba, alho, cebola, tomate, banana e trigo também são ricos em FOS.

Fonte: Desmistificando dúvidas sobre alimentação e nutrição : material de apoio para profissionais de saúde / Ministério da Saúde, Universidade Federal de Minas Gerais. – Brasília : Ministério da Saúde, 2016.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Vamos conversar sobre o glúten?


O glúten é um nome geral dado às proteínas encontradas em cereais como trigo, centeio, cevada (chamados de "The Big 3"), aveia e triticale – um grão híbrido resultante da mistura do trigo e do centeio. A aveia é mantida na categoria de cereal que contem glúten, embora essa posição seja questionada. O problema é que a maior parte da aveia disponível sofre contaminação decorrente da proximidade da plantação do trigo, centeio ou cevada. Quando pura, deve constar no rótulo "livre de glúten" e pode ser consumida por algumas pessoas intolerantes ao glúten. Mas qual a função do glúten?

Ele é responsável por dar a viscosidade, dar a "liga" necessária para dar forma ao alimento, além de melhorar a sua palatabilidade. Por isso um dos motivos de se sovar uma massa ao fazer um bom pão é ativar essas propriedades do glúten. Além da proteína, os alimentos que contém glúten são altamente ricos em carboidratos, fibras, vitaminas do complexo B, ferro, cálcio e magnésio. Estão incluídos nesse grupo pães, massas, bolos, bolachas, cerveja, cereais, molhos e muitos outros. Chamo a atenção que os alimentos que contém glúten são importantes fontes nutricionais e não há nenhum motivo para tirá-los da dieta, como se tem defendido por alguns, exceto se há uma intolerância real ao glúten. Vejo as pessoas, incluindo alguns profissionais de saúde, com uma visão muito distorcida sobre o assunto. Pior, tenho visto diagnósticos de intolerância ao glúten feito por exames questionáveis e sem nenhuma comprovação científica, como "testes da unha ou do cabelo" e outras tantas invenções para se criar doenças que não existem e ganhar dinheiro. Vamos esclarecer esse assunto?

Só existem 2 situações em que o glúten pode fazer mal à saúde: 1) quando se consome em excesso os alimentos que contém glúten e 2) quando se tem uma das chamadas "Desordens Associadas ao Glúten". No primeiro caso, o consumo excessivo de alimentos que contém glúten obviamente resulta em um exagero de consumo de carboidratos, o que sabidamente resulta em maior ganho de peso. Portanto, nesse caso não é o glúten o "vilão" e sim os hábitos alimentares. Quando se faz uma dieta sem glúten para emagrecer, se tira da dieta esses alimentos, além de se controlar  o consumo de gorduras. Na verdade se reduz a quantidade de calorias diárias, o que resulta em redução de peso. Não se engane, não é a retirada do glúten que emagrece e sim a reeducação alimentar. A maioria das pessoas que dizem que glúten causa "barriga" e depois de cortá-lo emagreceram se dão por conta que antes comiam muito mais do precisavam. Ah, podem ficar tranquilos, o glúten também não "gruda" os seus intestinos!

Na segunda situação, sobre as Desordens Associadas ao Glúten, vou utilizar as informações de um recente artigo da Associação Italiana de Gastroenterologistas e Endoscopistas Hospitalares (AIGO), publicado em novembro de 2016 (1). Existem doenças em que realmente não se pode consumir o glúten, que são 3: 1) a Doença Celíaca, 2) a Alergia ao Trigo e 3) a Sensibilidade ao Glúten  Não-Celíaca. Todos esses diagnósticos devem ser feitos por um médico com experiência nessa área, ok?

A  Doença Celíaca é uma doença auto-imune e herediária, isto é, o corpo forma defesas (anticorpos) contra as células da mucosa do intestino quando elas tem contato com o glúten. Essa reação auto-imune acaba inflamando e atrofiando a mucosa do intestino. Nessas pessoas, obrigatoriamente há uma predisposição genética para a doença aparecer. Acomete cerca de 1% da população e o grupo de risco para ter a doença inclui a) pessoas que tem familiares em primeiro grau (pais, irmãos ou filhos) com doença celíaca, b) pessoas com outras doenças auto-imunes, principalmente diabetes tipo 1 e doença de Hashimoto (doença auto-imune da tireóide) e c) pessoas com determinadas alterações genéticas (síndrome de Down e síndrome de Turner). Geralmente se manifesta por diarreia ou alteração do hábito intestinal, emagrecimento inexplicado ou, em crianças, atraso do crescimento; cólica, desconforto e estufamento da barriga, gases, azia. Pode causar má absorção de nutrientes, resultando em cansaço, desnutrição, deficiência de vitaminas e minerais, anemia e até infertilidade. O diagnóstico correto é feito pela dosagem dos anticorpos (principlmente o chamado anticorpo anti-transglutaminase) e por biópsia do intestino delgado via endoscopia. Portanto, se alguém disser que você tem Doença Celíaca fazendo um teste ‘da unha’, desconfie e questione.

Na Alergia ao Trigo, o nosso sistema imunológico é ativado logo que o nosso organismo tem contato com o cereal, desencadeando uma reação alérgica ao alimento. Embora os outros cereais que contém glutem possam também causar a alergia, é mais comum com o trigo. Não é uma doença frequente, mas nas pessoas que tem,  os sintomas variam desde rinite, asma (geralmente se tem exposição no mauseio da farinha de trigo, como em padarias), urticárias pelo corpo, diarreia e cólica. O diagnóstico é difícil, não tem uma exame que com certeza comprove, embora a maioria das vezes se pode dosar o anticorpo (chamado de IgE).

No caso da Sensibilidade ao Glúten  Não-Celíaca, é um pouco mais complicado. São pessoas que não são celíacas e não tem alergia, mas apresentam intolerância ao consumo do glúten. Estima-se que cerca até 13% da população apresente e é mais frequente em mulheres entre 30 e 40 anos. Os sintomas são parecidos com a Doença Celíaca, mas não se detectam anticorpos e/ou a biópsia do intestino é normal. Eles surgem quando se consome alimentos que contém glúten. Não existe um exame específico para fechar o diagnóstico. Além disso, muitas pessoas já vem restringindo o glúten, na maioria da vezes de forma incompleta, o que atrapalha a avaliação. A primeira coisa é descartar a Doença Celíaca e a Alergia ao Glúten e para isso é preciso que a pessoa esteja comendo esses alimentos por pelo menos 2 semanas, pois senão os exames vem "mascarados". Feito isso, se faz uma restrição padrão e, na sequencia, uma reintrodução do glúten para observar como a pessoa se sente.

Como podem observar, não basta simplesmente cortar o glúten da dieta. É preciso entender como ele realmente age em nosso corpo, evitando modismos e restrições desnecessárias. A meu ver, restringir sem necessidade pode causar alterações nutricionais, um consumo compensatório de gorduras, deficiências de micronutrientes e distúrbios do comportamento alimentar (como compulsão, anorexia e bulimia). É preciso pensar que o problema pode não ser o glúten, mas o consumo de alimentos em excesso. Se você percebe algum sintoma, não restrinja por conta, pois você pode atrapalhar e atrasar o diagnóstico de uma doença importante. Questione sempre que for recomendado restringir o glúten da sua dieta e sempre procure um médico. Afinal, lembre-se que se todo mundo tem um pouco de médico, todo mundo também tem um pouco de louco.

Fonte:
Elli L, Villalta D, Roncoroni L, Barisani D, Ferrero S, Pellegrini N, Bardella MT, Valiante F, Tomba C, Carroccio A, Bellini M, Soncini M, Cannizzaro R, Leandro G. Nomenclature and diagnosis of gluten-related disorders: A position statement by the Italian Association of Hospital Gastroenterologists and Endoscopists (AIGO). Dig Liver Dis. 2016 Nov 4. pii: S1590-8658(16)30782-4. doi: 10.1016/j.dld.2016.10.016.

Dr. Eduardo Guimarães Camargo
Médico Endocrinologista
CREMERS 23.404 - RQE 17.086

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Hipertireoidismo em crianças e adolescentes

Disfunções na tireoide não são exclusividade dos adultos. A glândula dos pequenos também pode ser afetada pelos mesmos problemas. Alguns sinais e sintomas são os mesmos em todas as faixas etárias. Outros, especialmente os relacionados ao crescimento e desenvolvimento, são peculiares em crianças e adolescentes. Vejamos o que pode acontecer em um quadro de hipertireoidismo...



Chamamos de hipertireoidismo a produção de hormônios em excesso pela tireoide. Não confunda com hipotireoidismo, que é o mal o funcionamento da glândula. A estimativa é que uma em cada 100.000 crianças menores de 15 anos desenvolva hipertireoidismo a cada ano. Meninas, principalmente durante a adolescência, tendem a ser mais acometidas. O efeito dos hormônios femininos durante a puberdade é a explicação, já que doenças autoimunes da tireoide são mais comuns em mulheres. Aliás, a doença de Graves, causada por anticorpos que estimulam a produção dos hormônios tireoidianos, é a causa mais comum de hipertireoidismo em crianças e adolescentes, contabilizando 96 por cento dos casos. Pacientes com síndrome de Down apresentam maior risco para doença de Graves.
Os sintomas clássicos de hipertireoidismo são:
- aumento do tamanho da glândula tireoide (bócio).
- tremor fino, perceptível especialmente nas mãos quando se estende os dedos.
- olhar fixo, brilhante e com as pálpebras retraídas.
- coração acelerado e palpitações.
- perda de peso involuntária mesmo com a ingestão de alimentos aumentada.
- pele fina, quente e com aumento do suor.
- diminuição da força muscular, perceptível principalmente na musculatura proximal, que torna mais difícil subir escadas ou levantar de assentos próximos ao chão.
- aumento da velocidade do trânsito intestinal, que resulta em mais idas ao banheiro para fazer cocô e, em alguns casos, diarreia.
- orbitopatia, que é a inflamação dos tecidos que envolvem o globo ocular, em alguns casos de doença de Graves.
Além disso, o excesso de hormônios tireoidianos acelera a maturação das cartilagens de crescimento, fazendo a criança crescer mais rápido do que o esperado. Este sinal pode passar despercebido, principalmente se a doença é leve e tem curta duração.
O desenvolvimento puberal não costuma ser afetado pelo hipertireoidismo. No entanto, meninas que já tiveram a primeira menstruação (menarca) podem deixar de ovular. Isso leva a atrasos ou mesmo a interrupção completa do fluxo menstrual.
Por fim, crianças com hipertireoidismo, especialmente as menores, tendem a apresentar mais oscilação do humor e distúrbios do comportamento que os adultos. A atenção diminuída, a hiperatividade e problemas no sono podem prejudicar o aproveitamento escolar e são frequentemente confundidos com TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade). Crianças menores de 4 anos também podem apresentar atraso no desenvolvimento neuropsicomotor.
Na suspeita de hipertireoidismo, crianças ou adolescentes deverão ser avaliados por médico endocrinologista. O diagnóstico pode ser feito através de exames de sangue (TSH, T4 livre, T3 e anticorpos). Em alguns casos, também são necessários exames complementares (ecografia ou cintilografia da tireoide).



Fonte: Clinical manifestations and diagnosis of hyperthyroidism in children and adolescents - UpToDate OnLine

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Menopausa

18 de outubro é o Dia Mundial da Menopausa. A estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que, em 2030, 1,2 milhões de mulheres terão 50 anos ou mais. Considerando que a expectativa de vida destas mulheres após a menopausa é crescente, é preciso que fiquemos atentos aos problemas que podem estar associados à falta de hormônios nessa fase da vida

O que é o climatério e a menopausa?

Ao nascer as mulheres já tem um número limitado de folículos nos ovários que futuramente se transformarão nos óvulos. Um feto feminino de 20 semanas tem cerca de 6 - 7 milhões deles, ao nascer esse número já está reduzido a 1 - 2 milhões de folículos e quando as meninas entram na puberdade esse número já caiu para 300 ou 400 mil. Esses folículos vão diminuindo de número ao longo dos anos, tanto pelo recrutamento nas ovulações quanto por destruição dentro do próprio ovário. Como esses folículos são fundamentais para a produção hormonal feminina de estrogênio e progesterona, quando eles estão chegando ao fim o organismo entra no climatério.

O climatério é um acontecimento fisiológico na vida da mulher, sendo uma fase de transição entre o período reprodutivo e o não reprodutivo, iniciando-se a partir dos 40-45 anos e se estendendo até os 65 anos de idade. O termo menopausa é frequentemente usado de maneira equivocada como sinônimo do climatério, porém a menopausa é um marco desse processo contínuo que é o climatério e que corresponde à data do último período menstrual, sendo assim, a menopausa só pode ser reconhecida após passados 12 meses da última menstruação. A idade média da menopausa é de 50 anos, quando ela ocorre antes dos 40 anos (1% das mulheres) chamamos de menopausa precoce.


E quais os sinais e sintomas que podem aparecer nesse período?

• Irregularidade menstrual, podendo ocorrer encurtamento ou atraso dos ciclos menstruais ou ainda alteração da quantidade do fluxo menstrual. 
• Sintomas vasomotores (fogachos), popularmente conhecidos como “calorões”, são relatados por 68 a 85% das mulheres. Os fogachos provocam uma sensação de calor intenso na face, pescoço, tronco e braços, seguido pelo enrubescimento da pele e sudorese importante, durando em média 1 a 4 minutos. Pode ainda vir acompanhado de palpitações, vertigens, fraqueza e ansiedade. Por serem frequentes no período noturno, acabam levando a uma redução na qualidade do sono e consequentemente podem resultar em maior irritabilidade, cansaço, redução da capacidade de concentração.
•  Alterações de humor, como ansiedade, depressão, irritabilidade. 
• Sintomas urogenitais que podem levar a queixas como ressecamento vaginal, dispareunia (dor nas relações sexuais), infecções vaginais recorrentes, urgência e ardências urinárias, agravamento de incontinência urinária. 
• Alterações na pele, que se torna mais fina e com tônus reduzido; e nos cabelos, que se tornam mais finos, favorecendo o surgimento da calvíce.
• Aumento do risco de doenças cardiovasculares, que são a principal causa de morte nas mulheres após a menopausa. 
•  Perda da densidade mineral óssea podendo levar a osteoporose e ao aumento do risco de fraturas

Para quem está indicada a terapia de reposição hormonal?

Nem todas as mulheres na menopausa precisam receber terapia de reposição hormonal (TRH). Muitas mulheres passam por esse período sem sintomas significativos e sem prejuízo na qualidade de vida, não necessitando de qualquer tratamento. Entretanto, para algumas mulheres, com sintomatologia importante e piora na sua qualidade de vida, podemos fazer a TRH desde que respeitadas às contraindicações ao seu uso.

As principais indicações da TRH são: alívio dos sintomas vasomotores (“calorões), melhora dos sintomas atróficos urogenitais e prevenção e tratamento de osteoporose, porém, secundariamente, acaba-se também fazendo prevenção de câncer de cólon, de transtornos cognitivos e de doenças cardiovasculares. 

Para que tenhamos um real benefício da TRH devemos levar em consideração a “Janela de Oportunidade”, ou seja, iniciar a TRH o mais precocemente possível, estando contraindicado o seu início em mulheres com mais de 10 anos de menopausa.

É importante ressaltar que todos as mulheres na pós-menopausa, independentemente de estarem recebendo TRH, devem ter um estilo de vida mais saudável, evitar tabagismo, manter uma alimentação rica em cálcio e atividade física regular.

E como é feita a TRH?

A TRH é realizada através da administração dos hormônios estrogênio e progesterona naquelas mulheres que tem útero e apenas com estrogênio naquelas sem útero. Existem diversas formas e apresentações para se realizar essa reposição e os hormônios utilizados devem ser iguais aos produzidos pelo nosso organismo. Os esquemas, doses e vias de administração vão depender da avaliação dos sintomas da paciente e devem ser discutidos entre o médico e a paciente para que haja benefícios e boa adesão ao tratamento. Essa avaliação deve ser individualizada e periodicamente atualizada, levando-se em consideração os sintomas da paciente, e os riscos e benefícios da terapia. Algumas vias de administração podem ser contraindicadas em algumas situações específicas como, por exemplo, naquelas pacientes que tenham aumento de triglicerídeos onde se opta por uma via de administração de estrogênio que não seja a via oral.

E quais as contraindicações para a TRH?

Existem poucas contraindicações absolutas para a TRH e devemos lembrar que as contraindicações para a TRH são diferentes daquelas relacionadas aos contraceptivos orais, visto que são usados hormônios e dosagens diferentes para cada fim. Entre as contraindicações absolutas temos:

• Presença de tumores, ativos ou recentes, que dependam de estrogênios, como os de mama, endométrio e ovário. Cabe aqui ressaltar que a contraindicação absoluta é referente à história pessoal da paciente e não se refere à sua história familiar, ou seja, ter histórico de câncer na família, por exemplo, não é uma contraindicação absoluta para a reposição hormonal.
• Doença cardiovascular aguda, como acidente vascular cerebral, infarto agudo do miocárdio ou tromboembolismo venoso.
• Sangramento vaginal, lesões do endométrio ou das mamas, identificadas em exames e sem avaliação complementar ou diagnóstico etiológico.

Quanto às contraindicações relativas temos:

• História sugestiva, mas não comprovada, de tromboembolismo prévio
• Trombofilia relativa, ou seja, situações que podem favorecer o aparecimento do tromboembolismo, como obesidade, tabagismo, períodos de imobilização (por exemplo: após cirurgia) e presença de varizes de grosso calibre
• Mastopatia funcional (mamas que, antes da menopausa, doíam no período menstrual)
• Miomas
• Hipertensão arterial
• Doenças do fígado e vias biliares

Importante salientar que nesses casos de contraindicações relativas, todas elas podem ser contornadas com a individualização da dose e escolhas adequadas de esquema e vias de administração dos hormônios.

Concluindo...

O período da menopausa pode ser acompanhamento de muitos sintomas que causam prejuízo na qualidade de vida das mulheres, sintomas esses que podem ser melhorados com a Terapia de Reposição Hormonal. Hoje em dia temos no mercado hormônios iguais aos que produzimos naturalmente e em diversos tipos de apresentações, fazendo com que a TRH possa ser realizada com segurança, desde que observadas as contraindicações ao seu uso e individualizando o tratamento para cada paciente.


FONTES
Clapauch, Ruth. Endocrinologia Feminina e Andrologia -1a edição: São Paulo, 2015
Freitas, Fernando. Rotinas em Ginecologia - 6a edição: Porto Alegre, 2012



Fernanda M. Fleig
Médica Endocrinologista
CREMERS 33785 RQE 28970
https://www.facebook.com/fernanda.endocrinologista/

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Terapia Hormonal para Transgêneros

O QUE É DISFORIA DE GÊNERO
Segundo o “Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders V (DSM-5)”, a Disforia de Gênero (DG) é definida como um desconforto persistente associado ao sexo de nascimento e uma sensação de inadequação com a identidade de gênero a ele atribuída. O indivíduo com essa condição apresenta um forte desejo de viver e ser aceito socialmente como um membro do gênero oposto ao que foi designado e, para tanto, ele busca alinhar a sua aparência com o seu gênero de identidade através de terapia hormonal e de cirurgias.

Nesse contexto, considera-se “mulher transgênero” a pessoa designada ao nascimento como homem, mas que se identifica como mulher e “homem transgênero” a pessoa designada ao nascimento como mulher, mas que se identifica como homem.

Mais recentemente, como forma de “despatologizar” e reduzir estigmas, o termo “Incongruência de Gênero” vem sendo usado em substituição à “Disforia de Gênero”. Alinhado a essa nova nomenclatura, usarei o a sigla DG/IG para me referir a condição.



INCIDÊNCIA
Estima-se que 0,4% a 1,3% da população mundial apresenta DG/IG.
Nos EUA, um amplo estudo recente (2015 US Transgender Survey from National Center for Transgender Equality) mostrou que a incidência de pessoas cuja identidade de gênero difere daquela designada ao nascimento atinge 0,25% da população adulta 4,5% da população jovem.

A DG/IG na infância não continua, necessariamente, na idade adulta. Estudos longitudinais, demonstraram que quando a DG/IG ocorre ou é suspeitada na idade pré-escolar, 85% das crianças voltarão a se identificar com seu sexo biológico. Por outro lado, quando inicia ou persiste durante a adolescência, existe uma grande probabilidade que se mantenha durante a vida adulta.

CAUSAS
A identidade de gênero tem início entre 2-3 anos de idade quando se percebe o interesse da criança por brincadeiras típicas de meninos ou meninas. Entre 6-7 anos, a criança adquire consciência de que seu gênero permanecerá o mesmo ao longo da vida.

Até o momento, a ciência ainda não conseguiu esclarecer qual a causa da DG/IG. É provável que a origem seja multifatorial, uma vez que a experiência de gênero resulta de uma interação complexa entre fatores genéticos, hormonais, sociais, psicológicos, cognitivos e relacionais. Alguns pesquisadores levantaram a hipótese de que a condição resultaria da exposição aos andrógenos nas fases iniciais do desenvolvimento cerebral ainda no útero. Desta forma, a falta de exposição aos andrógenos em um feto masculino resultaria em um indivíduo com identidade de gênero feminina e, inversamente, a exposição aos andrógenos em um feto feminino resultaria em um indivíduo com identidade de gênero masculina.

Estudos recentes sugerem que a condição poderia estar relacionada a alterações anatômicas no cérebro. Uma área sexualmente dimórfica na stria terminalis é tipicamente duas vezes maior em indivíduos designados homens ao nascimento. Os indivíduos transgêneros estudados antes da terapia hormonal possuíam essa região consistente com o gênero de identidade, e não com o sexo biológico.
Gêmeos idênticos compartilham a condição de forma muito mais frequente do que gêmeos fraternos ou irmãos, sugerindo que a genética desempenha um papel importante na etiologia da DG/IG.

CONSEQUÊNCIAS
A DG/IG causa sofrimento emocional significativo e traz prejuízos para o funcionamento social ou ocupacional ou para outras áreas importantes da vida do indivíduo.
Segundo dados levantados nos EUA, a incidência de tentativa de suicídio entre indivíduos transgêneros é da ordem de 41%, enquanto que na população geral não passa dos 1,6%, representando a maior taxa de suicídio entre qualquer condição psiquiátrica.

Os indivíduos transgêneros estão mais expostos a sofrer preconceito e discriminação, o que determina um alto índice de alcoolismo e uso de drogas ilícitas. Além disso, possuem maiores barreiras para obter educação e emprego, causando dificuldade financeira e, por consequência, à moradia e ao atendimento médico primário.

A TERAPIA HORMONAL
A terapia hormonal de feminização ou masculinização (ou “TH cross-sex”) consiste na administração de hormônios que vão proporcionar o desenvolvimento de uma aparência física mais alinhada com a identidade de gênero do indivíduo.

Como é altamente eficaz para induzir o desenvolvimento das características desejadas (relacionadas ao gênero de identidade), ela costuma ser a primeira e eventualmente a única forma de intervenção médica para afirmação de gênero.

PARA QUEM
A “TH cross-sex” está indicada para pessoas com diagnóstico de DG/IG bem documentada e que não apresentam comorbidades psiquiátricas associadas, realizada por profissional da saúde mental treinado. O interessado deve ter maioridade legal e capacidade plena de tomar decisões, bem como de assinar o “Termo de Consentimento Informado” (documento onde toda a informação sobre o tratamento é fornecida em linguagem clara e acessível).

QUEM ORIENTA
Cabe ao médico endocrinologista discutir as possibilidades terapêuticas, orientar o uso correto dos hormônios, avaliar as contraindicações e monitorar o indivíduo visando à redução dos possíveis efeitos colaterais associados à “TH cross-sex”. Antes de prescrever este tipo de terapia ele deve exigir que o interessado leia e assine o “Termo de Consentimento Informado” que serve para registrar que existe um bom entendimento sobre todos os aspectos da “TH cross-sex” e para garantir proteção legal e atendimento de qualidade.

Eventualmente o médico assistente também poderá solicitar um parecer de profissional da saúde mental atestando a DG/IG e/ou a condição de saúde psicológica do indivíduo.
Embora o endocrinologista desempenhe papel fundamental no tratamento de indivíduos com DG/IG, uma equipe interdisciplinar mais ampla, composta por profissionais da saúde mental, cirurgião plástico, ginecologista, urologista, dermatologista, fonoaudiologista, entre outros, precisa ser recrutada e trabalhar em conjunto.

COMO É FEITA
A “TH cross-sex” visa a atingir e manter níveis fisiológicos dos hormônios sexuais relacionados ao gênero de identidade do interessado, afim de garantir o desenvolvimento das características desejadas. Costuma ser muito segura e eficaz, desde que se utilizem substâncias aprovadas e controladas em doses adequadas e individualizadas.

Na TH de FEMINIZAÇÃO, usa-se o hormônio feminino (estradiol) para redução dos pelos faciais e corporais, indução do desenvolvimento de mamas, redução da massa muscular e redistribuição da gordura facial e corporal em um padrão feminino. A forma ideal de administrar o estradiol é pela via transdérmica (gel ou adesivos), embora ele também possa ser administrado sob forma de injeções, pela via oral (comprimidos) ou sob forma de implantes subcutâneos (pellets). O uso do estradiol isoladamente não consegue reduzir a produção de testosterona pelos testículos, sendo necessário associar um medicamento anti-androgênico ao tratamento.

Na TH de MASCULINIZAÇÃO, o hormônio masculino (testosterona) é usado para induzir bloqueio da menstruação, desenvolvimento da barba e dos pelos corporais, engrossamento da voz, aumento da massa muscular e redistribuição da gordura corporal em um padrão masculino.
A testosterona pode ser administrada sob forma de injeções ou sob a forma de gel para absorção transdérmica. O uso da testosterona isoladamente é eficaz para reduzir a produção dos hormônios femininos pelos ovários. 

A evolução do processo será realizada por avaliações clínicas e laboratoriais periódicas. Esse acompanhamento visa assegurar a eficácia e a segurança do tratamento, bem como fazer ajustes na dose dos hormônios.

QUAIS OS BENEFÍCIOS
O acesso ao tratamento hormonal está associado a uma redução da disforia, da incidência de ansiedade, de depressão, de isolamento social e de abuso de álcool e drogas ilícitas.
Além disso, a “TH cross-sex” melhora a sensação de bem-estar, a qualidade de vida e a condição geral de saúde do indivíduo com DG/IG, apresentando um impacto positivo sobre diversos aspectos da vida, como autoestima, socialização, relacionamento, atividade sexual, estudo, trabalho, independência e autonomia financeira, além de contribuir para a redução da experiência de estigma.


FONTES 
1.Endocrine Treatment of Gender-Dysphoric / Gender-Incongruent Persons: An Endocrine Society* Clinical Practice Guideline. Hembree WC, Cohen-Kettenis PT, Gooren L, Hannema SE, Meyer WJ, Murad MH, Rosenthal SM, Safer JD, Tangpricha V, and T’Sjoen GG. J Clin Endocrinol Metab, November 2017, 102(11):1–35.
2. The WPATH SOC - World Professional Association for Transgender Health Standars of Care for the Health of Transsexual, Transgender and Gender-nonconforming People.Coleman E, Bockting W, Botzer M, et al. Int J Transgend 2011; 13:165–232.
3. Guidelines da UCSF - Guidelines for the Primary and Gender-Affirming Care of Transgender and Gender Nonbinary People. Madeline B. Deutsch, MD, MPH, University of California, San Francisco, Published June 17, 2016.
American Psychiatric Association - Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 5th ed. Arlington, VA: American Psychiatric Association Publishing.
4. Clinical Management of Transsexual Subjects.Costa EMF, Mendonça BB.Arq Bras Endocrinol Metab 2014;58/2:188-196.
5. World Professional Association for Transgender Health (http://www.wpath.org)
6. The Fenway Institute (http://fenwayhealth.org/the-fenway-institute)
7. National Center for Transgender Equality (http://transequality.org)

Dr Leandro Liess
Médico Endocrinologista
CREMERS 18860/ RQE 9694

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Ecografia (ultrassonografia) de tireoide: entenda o exame

A ecografia ou ultrassonografia é um exame que usa a reflexão das ondas de ultrassom para conseguir ver através de um monitor os diferentes tecidos do organismo. Como a tireoide está localizada na região anterior do pescoço, logo abaixo do “pomo-de-adão”, e está coberta praticamente apenas por pele, pode ser facilmente avaliada através da ecografia. Sempre que há necessidade de avaliação da tireoide através de imagem, a ecografia é o exame de escolha.

Ecografia de tireoide para guiar punção de nódulo.

O médico endocrinologista lança mão deste exame nas seguintes situações:
– para avaliar a anatomia da tireoide quando suspeita de alguma anormalidade no exame clínico (palpação do pescoço);
– para avaliar alterações na tireoide descobertas ao acaso em outros exames como ecodoppler de carótidas, ressonância magnética ou tomografia computadorizada;
– para guiar punção aspirativa com agulha fina (PAAF) em nódulos ou linfonodos (ínguas);
– para monitorar nódulos já diagnosticados;
– para ajudar a planejar a cirurgia no caso de câncer de tireoide;
– para monitorar possíveis recidivas no paciente em tratamento para câncer de tireoide;
– quando há suspeita de bócio no feto, ou seja, no bebê mesmo antes de ter nascido;
– para rastrear câncer em grupos selecionados de pacientes com alto risco para esta doença, como pessoas que fizeram radioterapia na região do pescoço.
Dependendo da história e do quadro clínico do paciente, os diferentes achados da ecografia podem ajudar a confirmar ou afastar doenças. Por exemplo, um nódulo de 4 centímetros de diâmetro, hipoecoico, sem halo e com microcalcificações, é altamente suspeito de malignidade, logo, deve ser puncionado. Contudo, apesar da ecografia sugerir diagnósticos, estes devem ser confirmados, por punção ou outros exames apropriados.
O rastreamento universal, ou seja, o uso indiscriminado da ecografia de tireoide para procurar doença em pessoas que não se enquadram nas indicações acima, não está indicado. O rastreamento não é custo-efetivo e pode trazer mais prejuízos do que benefícios aos pacientes, como exames e até mesmo cirurgias desnecessárias.

Fonte: UpToDate OnLine

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Como baixar os triglicerídeos

Apesar de ser um problema frequente na prática médica, ainda existem dúvidas sobre qual seria a melhor maneira de manejar a elevação dos níveis de triglicerídeos, ou hipertrigliceridemia. Quando as evidências sobre uma terapia não são definitivas, é sensato se optar pelo tratamento com melhor relação risco/benefício. No caso da hipertrigliceridemia, especialmente em níveis menores que 500 mg/dL, a mudança no estilo de vida ganha destaque.



Algumas vezes a elevação nos níveis de triglicerídeos tem uma causa evidente. Doenças como obesidadediabeteshipotireoidismo e síndrome nefrótica podem ser identificas através de avaliação clínica simples e devem ser adequadamente tratadas. Alguns medicamentos usados para os mais diversos problemas de saúde também podem causar hipertrigliceridemia. Estrógenos, especialmente por via oral, tamoxifeno, betabloqueadores, corticoides, ciclosporina, retinoides e medicação para o HIV também podem estar por trás do problema.
Se o manejo das causas da hipertrigliceridemia é insuficiente ou impossível, o próximo passo é procurar modificar o estilo de vida. A redução do peso e atividades físicas regulares são metas a serem alcançadas, já que o tecido adiposo é um grande reservatório de triglicerídeos e os exercícios ajudam a queimar esse excesso de energia.
Com relação a alimentação, quando os níveis são menores que 500 mg/dL, comer menos com o objetivo de baixar o peso, além de reduzir carboidratos com alto índice glicêmico ou alto teor de frutose (açúcar, pão branco, massas, arroz branco, doces, refrigerantes e sucos), ajuda na redução triglicerídeos. Aumentar o consumo de alimentos ricos em ômega 3 (peixes como salmão, sardinha, atum e frutos do mar) também é importante.
Quando os níveis de triglicerídeos são maiores que 500 mg/dL, o processamento da gordura proveniente da dieta (quilomícrons) fica prejudicado, logo, está indicada a redução na ingestão de gorduras (mesmo boas) para menos de 25 a 40 gramas por dia devido ao risco elevado de pancreatite, complicação potencialmente fatal. O consumo de álcool também deve ser desencorajado.
Se após todos esses cuidados os níveis de triglicerídeos continuarem muito elevados, o tratamento medicamentoso com fibratos poderá ser indicado.

Fonte: Hypertriglyceridemia - UpToDate

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

domingo, 17 de setembro de 2017

Vale a pena usar hormônios ditos “bioidênticos”?

Alguns conceitos básicos de como funciona o sistema capitalista podem nos ajudar a entender melhor a “questão dos hormônios bioidênticos”. Imagine que você queira entrar no extremamente concorrido mercado farmacêutico. Seu capital inicial é pequeno tanto para produção quanto para desenvolvimento de novas moléculas. Com pouco dinheiro, é mais sensato investir em substâncias consagradas e que não sejam protegidas por patentes. Espertamente você escolhe alguns hormônios esteroides, o estradiol e a testosterona. Porém, substâncias pouco inovadoras costumam ser amplamente comercializadas por mais de uma empresa. Quando a oferta de um produto é ampla, seu preço despenca. Mas você não está disposto a ganhar pouco. Como diferenciar seus produtos dos demais? Marketing! E pior, marketing não ético! Estratégia infelizmente muito comum em diversos ramos no mercado…



O termo “hormônio bioidêntico” é uma jogada de markentig! Essa expressão foi cunhada para soar de forma mais suave que “quimicamente biossimilar” ou “quimicamente idêntico” ao hormônio encontrado na natureza ou que circula no nosso organismo. A geração das pessoas nascidas nas décadas de 1960 e 1970, também conhecidas como “geração granola”, tende a interpretar que coisas ditas “naturais” são boas e coisas ditas “sintéticas” são más. Muitas mulheres dessa geração estão agora enfrentando algum sintoma do período perimenopausa. Conhecendo o potencial mercado consumidor, fica fácil de entender a sacada do “hormônio bioidêntico que é mais natural, igualzinho ao que circula no meu organismo”, não é?
Mas não se engane! Os hormônios ditos “bioidênticos”, representados principalmente por esteroides (estradiol, testosterona, DHEA, progesterona e mesmo a vitamina D), são produzidos pela mesma indústria farmacêutica que fabrica os hormônios convencionais. Aliás, no mundo todo, devem existir apenas 6 ou 7 empresas capazes de produzir estes tipos de substâncias em grande quantidade dentro de um padrão de qualidade minimamente aceitável.
Mas se o hormônio convencional também é igualzinho ao que nosso corpo produz (salvo algumas exceções como os estrógenos conjugados), porque os endocrinologistas se preocupam tanto com os “hormônios bioidênticos”? Por um motivo muito importante: segurança.
Quando compramos qualquer medicamento em uma farmácia, ao abrirmos a caixinha, encontramos uma bula. A bula é um documento importante. Nela estão contidas indicações, doses, interações e perfil de efeitos adversos daquela substância. Para possuir uma bula, o medicamento precisa ter passado por estudos clínicos e estar devidamente registrado nas agências regulatórias, no caso do Brasil, a ANVISA. O problema é que os “hormônios bioidênticos” costumam ser manipulados ou colocados em implantes. A manipulação de uma substância por si só não é o problema. O problema é a prescrição de doses e combinações não avaliadas em estudos clínicos, isto é, com perfil de segurança desconhecido, ou pior, já avaliadas nos mesmos estudos e com perfil de segurança deletério.
A “moda dos bioidênticos” não é coisa nova. Outros países, especialmente os Estados Unidos através do FDA, sua agência regulatória, têm se mostrado preocupados com os possíveis riscos associados ao seu uso. A forma mais apropriada de garantir um tratamento seguro, barato e “natural” ainda é procurando profissionais sérios e com amplo conhecimento. As modas passam, mas complicações de tratamentos indevidos podem ficar pra sempre…

Fonte: Bioidentical Hormone Therapy: Whats Is It, Might It Have Advantages? - Medscape

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Anticorpos e Tireoide

As principais doenças que acometem a tireoide, a tireoidite de Hashimoto (causa de hipotireoidismo) e a doença de Graves (causa de hipertireoidismo), têm uma origem autoimune. Uma doença autoimune ocorre por uma falha do nosso sistema imunológico que passa a produzir anticorpos “com uma programação errada”. Em situações normais, os anticorpos deveriam atacar apenas agentes invasores e nocivos a nossa saúde (como vírus e bactérias). Quando o sistema imunológico "se engana", as células de defesa podem ser programadas para atacar alguma proteína, órgão ou tecido do nosso próprio organismo.



Conseguimos fazer a dosagem de três tipos de anticorpos relacionados a doenças da tireoide... 

Anticorpo antitireoglobulina (anti-Tg)

A tireoglobulina é fabricada pelas células da tireoide e estocada dentro dentro de "minúsculos saquinhos" chamados folículos. A tireoide usa a tireoglobulina e o iodo para fabricar os hormônios. Os anticorpos anti-Tg estão presentes em 70% a 80% dos pacientes com tireoidite autoimune, em 30% a 50% dos pacientes com doença de Graves e em 10% a 15% da população saudável sem doença tireoidiana. 

Anticorpo antitireoperoxidase (Anti-TPO)

A peroxidase é a enzima responsável por juntar o iodo e a tireoglobulina para formar os hormônios tireoidianos. Os anticorpos anti-TPO estão presentes no soro de 90% a 95% dos pacientes com tireoidite de Hashimoto e em cerca de 80% dos pacientes com doença de Graves. Aproximadamente 15% da população geral, sem doenças da tireoide, podem ter anticorpos anti-TPO, sem que isso tenha qualquer significado clínico.

Anticorpo anti-receptor de TSH (TRAb)

O TSH é um hormônio liberado pela glândula hipófise que age estimulando a produção de hormônios pela tireoide. Os receptores de TSH localizados na tireoide são o alvo do TRAb. Ao contrário dos anticorpos anti-TPO e anti-Tg, que são mais comuns na tireoidite de Hashimoto, o TRAb encontra-se presente em até 95% dos casos de doença Graves e em apenas em 10 a 15% dos pacientes com Hashimoto. O TRAb também não costuma ser encontrado na população geral sem doenças tireoidinas.

O TRAb pode ser estimulante, bloqueador ou neutro. TRAb da variedade estimulante se liga aos receptores do TSH e os estimula, levando a tireoide a produzir hormônios tireoidianos em excesso (doença de Graves).  Já o TRAb bloqueador, se liga aos receptores do TSH e impedem que o TSH atue na tireoide, levando ao diminuição da produção hormonal e hipotireoidismo. 

Quando solicitar a dosagem de anticorpos antitireoidianos?

A dosagem de rotina de anticorpos antitireoidianos não é necessária para a avaliação da função tireoidiana. Por exemplo, os anticorpos anti-TPO no soro não precisam ser medidos em pacientes com hipotireoidismo primário evidente, porque a maioria dos casos são por tireoidite autoimune e a dosagem do anticorpo não muda em nada a conduta. Além disso, a ausência de anticorpos não exclui uma tireoidite, já que em alguns pacientes os anticorpos podem ser indetectáveis. Por outro lado, a presença dos anticorpos por si só não é suficiente para fazer o diagnóstico de doença autoimune da tireoide, uma vez que é possível encontrarmos anticorpos positivos em indivíduos sem doença tireoidiana. No entanto, a dosagem de anti-TPO pode ser útil para prever a probabilidade de progressão para um hipotireoidismo evidente naqueles pacientes com hipotireoidismo subclínico. O anticorpo anti-TPO é mais frequentemente observado do que o anti-Tg, logo, quando indicada a dosagem de anticorpos, o anti-TPO costuma ser o anticorpo mais dosado.  

Na gestação, a dosagem de anti-TPO pode auxiliar a predizer a probabilidade do desenvolvimento de tireoidite pós parto, que pode ocorrer em até 15% das mulheres nesse período. A dosagem de anti-TPO também pode ser importante nas gestantes para definir a necessidade de reposição de levotiroxina em algumas situações. Além disso, anti-TPO também deve ser solicitado antes de iniciar algumas medicações que possam induzir alterações tireoidianas, como no caso do lítio e amiodarona.

A dosagem de anti-Tg não costuma ser um exame solicitado rotineiramente, exceto nos pacientes com câncer diferenciado de tireoide. Nos pacientes com câncer, a tireoglobulina é um marcador importante da doença no seguimento desses pacientes e, na presença de anticorpo anti-Tg positivo, os níveis de tireoglobulina não podem ser utilizadas como referência para avaliar a evolução da doença.

Quanto ao TRAb, sua dosagem pode ser útil para definição da causa do hipertireoidismo quando o diagnóstico não está claro através do quadro clinico e outros exames. A medida do TRAb também é útil para avaliar a probabilidade de remissão do hipertireoidismo após um curso de drogas antitireoidianas em pacientes com doença de Graves. Outras situações em que a dosagem de TRAb pode ser útil e está bem indicada são: hiperemese gravídica com tireotoxicose, hipertireoidismo subclínico com bócio difuso, orbitopatia de Graves em pacientes com função tireoidiana normal e diagnóstico diferencial do hipertireoidismo neonatal.


RESUMINDO...

A dosagem de anticorpos antitireoidianos pode ser útil para auxiliar no diagnóstico e acompanhamento clínico dos pacientes em algumas situações específicas, mas não são “exames de rotina” e não devem ser dosados sem nenhum motivo aparente como temos visto frequentemente nos nossos consultórios. Na dúvida sobre doenças tireoidianas, consulte sempre um médico endocrinologista!


FONTES:
UpToDate - Laboratory assessment of thyroid function
UpToDate - Pathogenesis of Graves' disease
UpToDate - Pathogenesis of Hashimoto's thyroiditis (chronic autoimmune thyroiditis)



Fernanda M. Fleig
Médica Endocrinologista
CREMERS 33785 / RQE 28970
www.facebook.com/fernanda.endocrinologista/

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Opinião: A fraude da Modulação Hormonal



A chamada Modulação Hormonal é, na minha opinião, a maior fraude da história recente da medicina. E, ao contrário do que se diz, não é algo novo. Prescrita por médicos, e, pasmem, até por dentistas e nutricionistas, promete equilibrar os hormônios, retardar o envelhecimento e evitar o surgimento de doenças através do uso de fitoterápicos, hormônios e complexos vitamínicos-minerais. Infelizmente, muitos são os incautos que acreditam nessas falsas  promessas. Para dar um ar de credibilidade e vanguarda, os prescritores dessa prática abusam de termos rebuscados, pedem um excesso de exames e inventam doenças que não existem, como “tireopausa” ou “fadiga adrenal”. A expressão “modular” dá uma falsa impressão de que você está “ajustando” o seu corpo para que ele fique melhor, o que não é verdade. Não existe comprovação do benefício sobre a saúde a longo prazo; da mesma forma, não reduz o surgimento de doenças e tampouco melhora a qualidade do envelhecimento. A verdade é que não existe nenhum estudo sério publicado que embase o seu uso e garanta a sua segurança em humanos. Traz, sim, um risco aumentado de trombose, de embolia pulmonar, de arritmia cardíaca, de hipertensão arterial, de infarto, de acúmulo desnecessário de vitaminas, de masculinização de mulheres (pelos, acne, voz grossa), de infertilidade, de queda da produção da testosterona em homens, de hepatite medicamentosa, de alergias, de transtornos do humor, de agressividade, de comportamento sexual de risco. Além de tudo isso, cria uma dependência do corpo aos medicamentos prescritos, principalmente aos hormônios. 

Não se deixe iludir. É incorreto fazer o uso “preventivo” de hormônios como anti-envelhecimento ou para fins estéticos. Desconfie quando alguém disser que “seu exame mostra que seu metabolismo é de uma pessoa 15 anos mais velha”, “seu corpo precisa desses elementos para envelhecer melhor”, “eu só prescrevo hormônios bio-idênticos”, “os médicos são comprados pela indústria farmacêutica, use os medicamentos naturais que lhe recomendo”, “a maioria dos médicos não pede os exames certos, por isso estou pedindo tudo”, “não é reposição de hormônios, é modulação”. Fique mais atento ainda se lhe propuserem “infusões rejuvenescedoras”, “implantes de hormônios”, “usar medicamentos manipulados que você desconhece a fórmula e só é feito por determinada farmácia de manipulação a custo elevadíssimo” ou “excesso de medicamentos”. E não se esqueça: a decisão final é sempre sua e você acaba sendo responsável por ela. O alerta está feito. 

Referências

The hormonal fountains of youth: myth or reality? Kim MJ, et al. J Endocrinol Invest. 2005.

The use of anti-aging hormones. Melatonin, growth hormone, testosterone, and dehydroepiandrosterone: consumer enthusiasm for unproven therapies. Shomali ME. Md Med J. 1997.

Dr. Eduardo Guimarães Camargo
Médico Endocrinologista
CREMERS 23.404 - RQE 17.086
www.dreduardocamargo.wordpress.com

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Tratamento medicamento das dislipidemias

A doença cardiovascular é a principal causa de morte no mundo entre homens e mulheres e sua fisiopatologia envolve o processo de aterosclerose. A aterosclerose é um processo dinâmico e evolutivo que ocorre na parede das artérias, caracterizada pelo crescimento de uma lesão que apresenta um componente lipídico e um componente de proliferação celular e fibrose. Já está bem estabelecido que a dislipidemia, principalmente representada por níveis elevados de LDL colesterol (LDL-c, “colesterol ruim”), apresenta um papel central na fisiopatologia da aterosclerose. Cada vez mais surgem evidências de que quanto maior a redução do LDL-c, principalmente em indivíduos de alto risco cardíaco, maior é o benefício obtido. 

Hoje vamos falar sobre os tratamentos farmacológicos disponíveis para o tratamento do colesterol, focando na redução do LDL-c. Informações sobre o que é o colesterol, diagnóstico, valores de referência e riscos podem ser lidas no post anterior publicado aqui no blog sobre o assunto.



QUANDO TRATAR?
A decisão sobre a necessidade ou não do uso de medicação para o tratamento da elevação do colesterol vai depender fundamentalmente de dois aspectos:

1. Risco cardiovascular do paciente: pacientes de alto ou muito alto risco para doenças cardiovasculares devem iniciar tratamento medicamentoso de início, associado a modificações do estilo de vida. Já para pacientes de risco moderado a baixo, podemos iniciar primeiro com as modificações do estilo de vida isoladamente e, caso as metas definidas não sejam atendidas após 3 a 6 meses, as medicações são iniciadas.

2. Tipo de dislipidemia presente: algumas medicações agem mais nas taxas de LDL-c, outras nas taxas de triglicerídeos (TG), então o tipo de alteração presente vai definir o tipo de medicação escolhida

É sempre muito importante levar em consideração se existe alguma causa identificável para o aumento do colesterol que possa ser tratada. Por exemplo, pacientes com hipotireoidismo sem tratamento podem ter aumento dos níveis de colesterol que podem normalizar após iniciada a reposição com hormônios tireoidianos; pacientes com diabetes descompensado podem apresentar aumento de TG que melhoram após a compensação da doença. Se identificada uma causa para a dislipidemia, devemos sempre tratar a patologia de base antes de iniciar o tratamento específico para a dislipidemia, visto que muitas vezes o tratamento da patologia de base é o suficiente para normalizar os níveis de colesterol.

Medicamentos com ação predominante nas taxas de LDL-c ("colesterol ruim")

ESTATINAS

As estatinas são medicações da classe de inibidores da enzima HMG-CoA redutase. A HMG-CoA redutase é uma das enzimas do fígado responsáveis pela produção de colesterol. Dependendo da dose e do tipo de estatina usada, a redução do LDL-c pode ser superior a 60%. Até o momento, as estatinas são o tratamento de primeira escolha para o tratamento do colesterol e permanecem sendo a terapia mais validada por estudos clínicos para diminuir a incidência de eventos cardiovasculares. As estatinas reduzem o risco de infarto do miocárdio, morte, necessidade de revascularização do miocárdio e acidente vascular cerebral isquêmico. Estudos mostram que, para cada 40 mg/dL de redução do LDL-c com estatinas, ocorre a diminuição da mortalidade por todas as causas em 10%. Para se ter uma ideia de como conceitualmente isso é importante, vale lembrar que a descoberta do mecanismo de receptores ligados ao metabolismo do LDL, que permitiu o desenvolvimento desses medicamentos, rendeu o Prêmio Nobel de Medicina em 1985 para os pesquisadores Michael S. Brown e Joseph L. Goldstein.

Recentemente temos observado uma onda de profissionais com “estatinafobia” que defendem que as estatinas fazem mal para a saúde e pregam sua substituição por “dietas da moda”. Isso é um tremendo absurdo, e tem colocado pacientes de alto risco cardiovascular sob risco de terem um evento fatal por pararem uma medicação extremamente importante para a prevenção de tais eventos. Aqui no blog já publicamos um texto sobre o assunto que pode ser lido clicando aqui

Embora estudos mostrem diferenças na potência das estatinas quanto à sua capacidade de levar à redução do LDL-c, todas foram capazes de reduzir eventos e mortes cardiovasculares. As estatinas também reduzem os TG em 7 a 30%, sendo que quanto maior sua capacidade de reduzir o LDL-c maior a redução dos TG. Com relação ao HDL (“colesterol bom”), as estatinas podem elevar um pouco suas taxas, em torno de 5-15%, no entanto os estudos não demonstraram que a variação do HDL ou TG influenciou na redução de eventos cardiovasculares. 

ADMINISTRAÇÃO: atorvastatina, pitavastatina e rosuvastatina podem ser tomadas a qualquer hora do dia, as demais estatinas devem ser administradas à noite. As doses das estatinas devem ser tituladas para atingir as metas de prevenção da aterosclerose conforme o risco cardiovascular de cada paciente.


TABELA: Reduções do LDL-c com as estatinas e as doses disponíveis no mercado nacional
Gráfico retirado da Atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemia e Prevenção da Aterosclerose 2017 

EFEITOS ADVERSOS
A grande maioria dos pacientes tolera muito bem as estatinas com pouco ou nenhum paraefeito. Entre os efeitos colaterais mais comum estão os efeitos musculares, que podem surgir em semanas ou anos após o início do tratamento, e que variam desde desconforto e dor muscular leve, com ou sem elevação de creatinoquinase (CK), até rabdomiólise (agressão maior às células musculares com repercussões mais graves). A CK é uma enzima que marca lesões musculares e sua dosagem deve ser avaliada no início do tratamento naqueles indivíduos com alto risco de eventos adversos musculares, mas sua dosagem rotineira não é recomendada em pacientes já em da medicação, exceto se ocorrerem sintomas musculares (dor, sensibilidade, rigidez, câimbras, fraqueza e fadiga localizada ou generalizada). Outros efeitos adversos menos comuns são: cefaleia, constipação, náusea, gastrite, alterações hepáticas. A avaliação das enzimas hepáticas (ALT e AST) deve ser realizada antes do início da terapia e durante o tratamento caso ocorram sintomas ou sinais sugerindo hepatotoxicidade (fadiga ou fraqueza, perda de apetite, dor abdominal, urina escura ou aparecimento de icterícia). Por serem potencialmente teratogênicas, as estatinas estão contraindicadas na gestação, e mulheres em período reprodutivo em tratamento com estatinas devem ser orientadas a fazer uso de métodos contraceptivos.

EZETIMIBA

A ezetimiba inibe a absorção de colesterol por efeito direto no intestino levando à diminuição dos níveis de colesterol hepático e, consequentemente, redução do nível plasmático de LDL-c em 10 a 25%. A ezetimiba é uma opção de tratamento naqueles pacientes com intolerância às estatinas, sendo usada isoladamente ou em associação a uma estatina naqueles pacientes que apresentam efeitos adversos com doses elevadas de estatina e que não atingem sua meta de colesterol com a dose tolerada de estatina.

ADMINISTRAÇÃO: a medicação pode ser administrada a qualquer hora do dia, independente de alimentação.

EFEITOS ADVERSOS
Os eventos adversos são raros, sendo uma medicação geralmente bem tolerada. Os possíveis efeitos colaterais do tratamento com ezetimibe são: cefaléia; dor abdominal, diarreia, fadiga,  constipação, flatulência, náuseas, infecções de vias áereas superiores, aumento de enzimas hepáticas, mialgia.

RESINAS

São medicamentos que diminuem a absorção do colesterol pois se ligam aos sais biliares no intestino impedindo a absorção e recirculação do colesterol do intestino para o fígado, levando a redução da absorção do colesterol exógeno e ao aumento do metabolismo do colesterol endógeno em ácidos biliares no fígado. Este processo resulta em maior expressão dos receptores de LDL nas células do fígado, aumentando a remoção do LDL-c do sangue. Paradoxalmente, as resinas podem também aumentar a síntese de VLDL e elevar os níveis de TG em 15% a 30%. No Brasil temos apenas a colestiramina disponível, sendo que seu efeito é dose dependente, podendo a redução do LDL-c variar entre 5 a 30% conforme a dose. 

Na maioria dos casos essa classe não costuma ser usada em monoterapia e sim em adição às estatinas quando a meta de LDL-c não é atingida apesar do uso de estatinas potentes em doses altas. Por não ser absorvida para a circulação sistêmica, é uma opção de tratamento para crianças com aumento do colesterol, isoladamente ou em associação com estatinas, é o único fármaco liberado para mulheres no período reprodutivo sem método contraceptivo efetivo e durante os períodos de gestação e amamentação

ADMINISTRAÇÃO: deve ser administrada longe de outros medicamentos, pois podem interferir na absorção de muitos deles, sendo assim outras medicações rotineiras devem ser tomadas 1 hora antes da tomada da colestiramina e/ou 4 horas depois desta. 

EFEITOS COLATERAIS
As resinas são medicações com alta incidência de efeitos colaterais no trato digestivo, sendo os principais: constipação, plenitude gástrica, náuseas e flatulência, além de poder piorar hemorroidas preexistentes. Essa medicação também pode reduzir a absorção de vitaminas lipossolúveis (A, D, K e E) e de ácido fólico, sendo assim, a suplementação destes em crianças ou, eventualmente, em adultos usando colestiramina, pode ser necessária. Como dito anteriormente, também pode ocorrer aumento dos TG, logo seu uso deve ser evitado se níveis de TG maiores de 400 mg/dL. 

INIBIDORES DA PCSK-9

A PCSK9 é uma enzima que desempenha um papel importante no metabolismo do colesterol pois controla a densidade de receptores de LDL expressos no fígado, que são um fator determinante dos níveis de LDL-c no sangue. Essa medicação, ao se ligar a essa enzima, reduz a sua função e, consequentemente, leva a um aumento do número de receptores de LDL no fígado que, por sua vez, aumentam a remoção de partículas de LDL, reduzindo o LDL-c sanguíneo. Os inibidores da PCSK-9 estão indicados em pacientes de alto risco cardiovascular já com tratamento otimizado com estatinas na maior dose tolerada, associado ou não à ezetimiba, e que não tenham alcançado as metas de LDL-c recomendadas. 

ADMINISTRAÇÃO: no Brasil temos dois representantes da classe aprovados para comercialização: alirocumabe e o evolocumabe. Ambos são aplicados por meio de injeção subcutânea, o alirocumabe a cada 2 semanas e o evolucumab com injeção a cada 2 semanas ou uma vez por mês, a depender da dose utilizada.

EFEITOS ADVERSOS
O uso dos inibidores da PCSK9 em geral é seguro e bem tolerado. Estão descritos como paraefeitos principais a ocorrência de nasofaringite, náuseas, fadiga, mialgia, diarréia e aumento da incidência de reações no local da injeção (vermelhidão, prurido, edema ou sensibilidade/dor).


RESUMINDO....

A dislipidemia representa um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento da aterosclerose. O tratamento deve ser individualizado e deve levar em consideração a estratificação do risco cardiovascular de cada paciente: quanto maior o risco, maior o benefício de um tratamento mais intensivo. As maiores evidências de benefícios são vistas com a classe das estatinas que são capazes de reduzir substancialmente as mortes de causas cardiovasculares.


FONTE: Atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemia e Prevenção da Aterosclerose – 2017. 
 Arquivos Brasileiros de Cardiologia • ISSN-0066-782X • Volume 109, Nº 2, Supl. 1, Agosto 2017




Fernanda M. Fleig
Médica Endocrinologista
CREMERS 33785 / RQE 28970
www.facebook.com/fernanda.endocrinologista/