terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Hormônio da tireoide engorda?

Já não é a primeira vez que digo: "A internet é uma ótima fonte de informações, desde que se saiba filtrar o que é confiável". Entre tanta besteira que circula na rede, uma me chamou a atenção pelo tamanho do absurdo que advoga: hormônio de tireoide engorda. Antes de qualquer coisa, não, hormônio de tireoide não engorda. E também não deve ser usado como auxiliar no emagrecimento. Vamos entender o porquê...



Pacientes com hipotireoidismo, isto é, diminuição na produção do hormônio tireoidiano, costumam apresentar uma lentificação no metabolismo dos glicosaminoglicanos, substâncias encontradas em diferentes tecidos, especialmente sob a pele. Os glicosaminoglicanos ajudam a manter o turgor cutâneo retendo água, logo, com sua metabolização mais lenta, o paciente com hipotireoidismo acaba retendo mais líquido do que o normal, seu peso aumenta. Em alguns casos, a retenção de água chega a diluir e reduzir os níveis de sódio no sangue. O ganho de peso decorrente desse "inchaço" costuma ser pequeno: em torno de 3 quilos, assim como também é pequena a redução de peso quando o tratamento é iniciado. Logo, podemos concluir, que em grande parte dos casos, a culpa por grandes aumentos de peso NÃO é da tireoide, mas de hábitos inapropriados: alimentação errada e sedentarismo.
Apesar deste conhecimento científico estar consolidado há décadas, eis que surgem acusadores do "tratamento convencional". Segundo esta minoria, o culpado pelo ganho de peso no hipotireoidismo seria seu próprio tratamento! Ou melhor, no sódio presente no hormônio comercialmente disponível não só no Brasil como na maioria dos países do mundo: a levotiroxina sódica. E a solução para "desinchar" seria simples, usar fórmulas manipuladas sem sódio. Explicação equivocada, sensacionalista e perigosa à saúde!
Como explicado anteriormente, em grande parte dos casos, o hipotireoidismo nem é o real culpado pelo ganho de peso, mas sim um estilo de vida pouco saudável. A quantidade de sódio na levotiroxina sódica é insignificante e incapaz de causar qualquer tipo de retenção hídrica. Existem outras formas de levotiroxina disponíveis em outros países. As cápsulas de gelatina mostraram uma absorção superior aos comprimidos em casos específicos de pacientes com distúrbios da secreção gástrica. Já a forma líquida está disponível para a venda apenas na Itália com indicação semelhante as cápsulas gelatinosas.
Não é recomendada a manipulação da levotiroxina por ser considerada um medicamento com margem terapêutica estreita. Isto quer dizer que pequenas mudanças na dose, podem causar alterações grandes nos exames e no bem estar do paciente. A indústria farmacêutica procura tomar medidas para garantir a qualidade de suas levotiroxinas como uniformizar a procedência da matéria prima, produzir em local único e usar embalagens de duplo alumínio. Medicamentos com margem terapêutica estreita, especialmente em doses micronizadas (um micrograma é a milésima parte de um miligrama), podem não ser manipulados corretamente em farmácias. Além disso, o uso de lotes de diferentes fornecedores, qualquer erro de calibração no processo de manipulação ou mesmo o armazenamento em embalagens inapropriadas podem diminuir a qualidade e a eficácia da medicação. E isto torna muito difícil o ajuste da dose para cada caso.
Por fim, ao pesquisar sobre temas de saúde na internet de preferência a sites confiáveis, escritos por sociedades médicas e profissionais sérios. Sempre desconfie dos "donos da verdade" que se dizem inovadores, dão a entender que qualquer médico que não compactue com suas condutas absurdas seja um fracassado e invejoso. Não infrequentemente estes "profissionais" apresentam uma série de processos éticos e judiciais no "currículo" e se vitimizam por isso. Vender informações distorcidas em cursos de qualidade questionável é seu ganha-pão. E informação de qualidade não se vende. Se compartilha! Fica a dica.

Referências:
1 - Douglas S Ross. Treatment of hypothyroidism. UpToDate On Line.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

domingo, 11 de dezembro de 2016

Cedo demais - a puberdade precoce

Perguntas e respostas extraídas da entrevista: Transformação Antes da Hora, feita pelo jornalista Itamar Melo às endocrinologistas pediátricas Leila Cristina Pedroso de Paula e Marcia Khaled Puñales, publicada em 28 de Maio de 2016 no Caderno Vida do Jornal Zero Hora, RS.

Puberdade precoce, que pode atingir crianças muito pequenas, principalmente as meninas, exige acompanhamento especializado e informação da família.



Qual a idade normal para os primeiros sinais de puberdade no meu filho/ minha filha?
Atualmente, os manuais médicos estabelecem como dentro da normalidade o começo da puberdade a partir dos oito anos nas meninas e dos nove anos nos meninos. Nelas o marco inicial costuma ser o surgimento das mamas. Neles, o crescimento dos testículos.

Mas parece que tem sido comum a antecipação destes sinais, é verdade?
Há indícios de que são cada vez mais numerosos os casos em que a largada para o processo de amadurecimento se dá antes da idade considerada adequada, ainda que os dados não sejam muito precisos. Estudos norte-americanos apontam dados que podem ir de uma ocorrência de uma para cada mil até uma para cada 10 mil garotas. Na Dinamarca, a prevalência seria de um caso por grupo de 500 meninas, mas talvez inclua antecipações que não são consideradas doença e sim uma variação da normalidade. Entre os garotos a situação é bem menos frequente.

Quais são as causas da puberdade precoce?
Em algumas situações a ciência consegue determinar o que provocou a puberdade precoce, mas na maioria dos casos trata-se de um mistério - e um campo fértil para conjecturas. Entre meninas a causa é desconhecida em até 95% das ocorrências. Entre os meninos, nos quais o fenômeno é bem mais raro, o índice fica em torno de 50%. Os episódios em que a origem é identificada podem ter relação com a presença de tumores (benignos ou malignos) ou doenças (hiperplasia adrenal congênita, por exemplo) que ativam a produção de determinados hormônios antes do tempo. Nesses casos, a prioridade é combater a causa. 
Quando nenhuma motivação é identificada, diz-se que a puberdade precoce é idiopática. É como se tivéssemos um relógio dormente na hipófise, uma glândula situada na base do cérebro, com tempo certo para "despertar". Em determinado momento da vida, não se sabe exatamente por que, esse relógio é ativado e resolve despertar "fora de hora", mais cedo. A partir desse instante, a hipófise passa a liberar no sangue, em picos, os hormônios LH e FSH. Esses hormônios, por sua vez, estimulam as gônadas (os ovários nas meninas e os testículos nos meninos), levando a produção de estrógeno e testosterona, as substâncias que fazem crescer as mamas e os testículos. Esse é o processo que desencadeia a fase de amadurecimento sexual.

Ouvi falar que os agrotóxicos e os plásticos estão fazendo as crianças entrarem na puberdade mais cedo. É verdade?
Pouco mais de um século e meio atrás as meninas tinham a sua primeira menstruação, conhecida como menarca, com uma média de 17 anos. A idade foi caindo com o passar do tempo e, hoje, está na faixa dos 12 anos. Sabe-se que o começo da puberdade pode ser influenciado por fatores genéticos, psicológicos e ambientais. Entre esses últimos, estão as condições socioeconômicas, o estado de saúde, a nutrição e mesmo a altitude. A raça também tem peso: meninas afrodescendentes entram na puberdade mais cedo do que as caucasianas. Além disso, está documentado que a puberdade tende a vir mais cedo em meninas cujas mães menstruaram com menor idade ou que tem história de puberdade precoce na família paterna, nas que tinham baixo peso ao nascer ou que sofreram de obesidade na infância.
Uma das hipóteses da antecipação atual, mesmo sem modificações adicionais socioeconômicas, do estado de saúde e da nutrição, diz respeito ao contato com os chamados desreguladores endócrinos, substâncias com capacidade para alterar o funcionamento do sistema endócrino-hormonal. Um dos desreguladores suspeitos é o bisfenol A, presente em diversos plásticos e embalagens. Em 2011, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) proibiu a presença desta substância nas mamadeiras, pelo risco que representa para as crianças. Também há desreguladores na soja, mas o entendimento é que seria necessário o consumo regular de uma grande quantidade da oleaginosa para que um efeito negativo pudesse ser provocado. Também se acredita que a precocidade possa estar relacionada a um efeito aditivo de hormônios presentes no frango ou em substâncias parecidas com o estrógeno existentes em pesticidas agrícolas. No Brasil isto não é levado tão a sério, mas há países em que uma série de substâncias estão proibidas. Vários não permitem o bisfenol A em todos os plásticos e brinquedos, enquanto aqui está presente em muitos produtos, como a parte interna de algumas latas de refrigerante e de outras embalagens.

Minha filha começou com mamas antes dos oito anos de idade. Preciso me preocupar com isto?
Em alguns casos o surgimento de mamas antes dos oito anos pode ser uma variação dentro da normalidade, e não exige tratamento, mas em qualquer situação exige avaliação criteriosa por um médico. Esta variação da normalidade ocorre principalmente na menina pouco antes doa 8 anos e também no primeiro e segundo ano de vida, quando ela passa por uma fase que chamamos de mini-puberdade. Nos primeiros anos de vida pode haver um estímulo hormonal capaz de aumentar mamas, com regressão posterior, caso realmente não seja associado a uma doença.
Mas, em outros casos, no entanto, entra na classificação de puberdade precoce - e requer atenção, primeiro porque pode ser causada por alguma condição séria de saúde, mas também porque pode trazer complicações no futuro. A mais notável é a baixa estatura, mas há trabalhos apontando para outros problemas.
De acordo com um artigo publicado na revista médica The Lancet pelos brasileiros Ana Claudia Latronico e Vinicius Nahime Brito e pelo francês Jean Claude Carel, a puberdade precoce também estaria associada a risco maior de obesidade, hipertensão, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral e certos tipos de câncer - o que é atribuído à exposição precoce ao hormônio estrógeno.

Tenho sobrinhos gêmeos, uma menina e um menino, e ambos começaram com cheirinho embaixo do braço, uns cravinhos e agora, com 6 anos e 10 meses, começaram com pelinhos. Isso é puberdade precoce?
Pode ser ou não. Alguns anos antes da época em que ocorre a ativação do eixo que envolve a hipófise, a glândula adrenal (ou suprarrenal) começa a secretar os hormônios andrógenos, também relacionados ao amadurecimento sexual. Essa ocorrência é chamada de adrenarca. Na maioria das crianças isto não provoca nenhum tipo de manifestação clínica, entretanto em algumas pode ser responsável pelo odor nas axilas, pelo aumento da oleosidade da pele, acne, cravos e aparecimento de pelos. Quando os pelos aparecem antes do tempo (8 anos nas meninas e 9 anos nos meninos) isto é considerado precoce e pode estar relacionado com doenças tratáveis e potencialmente sérias, como um tumor adrenal ou um mal funcionamento adrenal conhecido como hiperplasia suprarrenal congênita. Nesta situação também precisa de uma avaliação cuidadosa de um médico. Mas felizmente, na maioria das vezes, estas manifestações quando após os 6 anos são uma variação da adrenarca normal, mais intensa, que não necessita ser tratada, apenas avaliada e acompanhada.

E as consequências da puberdade precoce são apenas físicas, ou são também psíquicas?
O trabalho dos brasileiros citado anteriormente descreve ainda evidências segundo as quais as crianças com puberdade precoce teriam mais probabilidade de apresentar distúrbios psicológicos na vida adulta. Mas é principalmente na infância que os problemas psicossociais se acentuam. As mudanças físicas em uma criança ainda pequena podem gerar constrangimento em ambientes como a escola. E os efeitos dos hormônios tendem a ser devastadores no campo emocional. Se já é difícil para um adolescente com a idade normal, imagina para uma criança em que ocorre precocemente - ela não sabe como lidar! Sem falar que uma menina de 8 anos que já menstrua sequer tem a maturidade para todos os cuidados de higiene que isso acarreta.

Como assim baixa estatura? Minha filha é a mais alta da sua classe, existe algo que leve  àconclusão do crescimento quando termina a puberdade?
Nem sempre uma criança alta vai ser um adulto alto. Um dito bastante conhecido entre as mulheres dá conta de que, depois da primeira menstruação, não se cresce mais. Não é exatamente assim, mas há uma certa dose de verdade na afirmação. O aumento de estatura está relacionado fortemente ao processo de amadurecimento sexual. Quando este ocorre, meninas e meninos ainda crescem uns poucos centímetros - e era isso. Essa é uma das principais razões para que a puberdade precoce gere preocupação - quando esta etapa é vivida cedo demais, deixa-se de crescer com pouca idade. O resultado final são pessoas de estatura baixa. As pessoas crescem a partir de uma parte dos ossos chamada de cartilagem de crescimento. Os hormônios sexuais que se elevam nesta fase inicialmente estimulam a liberação de hormônio de crescimento, provocando o famoso “estirão” ou esticada no crescimento. Mas depois estes hormônios atuam nos ossos promovendo o “fechamento das cartilagens de crescimento” (ou ossificação das epífises ósseas). Como só crescemos através destas cartilagens, uma vez que elas estão fechadas (ou quase) há pouco crescimento adicional. Um exame simples chamado Raio X de mão e punho para avaliação da idade óssea define com maior exatidão como estão estas cartilagens e qual a “idade do osso”. Isto é importante porque a idade do osso nem sempre é igual à idade da pessoa e crescemos conforme a nossa idade do osso e não a nossa idade real.

Mas existe tratamento para a puberdade precoce?
Quando se procura ajuda, há um tratamento muito eficaz à disposição. No caso da puberdade precoce clássica (a central), ele consiste de injeções, mensais ou trimestrais, que fazem o processo regredir. Esta mesma medicação funciona como um freio no desenvolvimento do esqueleto, melhorando a estatura destas crianças. A expectativa é manter o tratamento até por volta dos 12 anos de idade óssea e após suspender as injeções, liberando o corpo para desenvolver-se - desta vez, na hora certa.

Finalmente, seria interessante fazer um alerta sobre o que é importante
- Aumento de mamas, testículos e aparecimento de pelos em meninas antes dos 8 anos e em meninos antes dos 9 anos deve ser avaliado.
- Pode ser normal ou não.
- Existe tratamento.
- O uso da medicação para o bloqueio da puberdade em crianças apenas deve ser prescrito por médico especialista e acompanhado regularmente para avaliar os efeitos na velocidade de crescimento, no bloqueio da puberdade em si e na possibilidade de efeitos colaterais.
Usualmente este tipo de tratamento pode provocar apenas efeitos colaterais locais, como dor no local da aplicação que é intramuscular.
- Muitas vezes o menino não é levado na consulta, porque considera-se como sinal de virilidade os sinais puberais precoces e são justamente os meninos o grupo de maior risco de doenças graves associadas e pior desempenho social posterior com o comprometimento da estatura.

Dra. Leila Cristina Pedroso de Paula
Médica Endocrinologista
CREMERS 21.561 - RQE 16.615

Dra. Márcia Khaled Puñales
Médica Endocrinologista
CREMERS 21.400 - RQE 20.999

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Medo irracional de estatinas - um desserviço à saúde

The Lancet publicou recentemente uma análise aprofundada sobre o benefício do uso das estatinas no manejo dos distúrbios do colesterol e na prevenção de doença cardiovascular e morte por doença cardiovascular. Demonstra de maneira detalhada quem são as pessoas que mais se beneficiam, as que não se beneficiam e explica de uma maneira clara que tem havido uma preocupação exacerbada por profissionais da saúde, incluindo muitos médicos, a respeito da segurança de uso dessa medicação.



Tenho percebido profissionais que defendem que as estatinas fazem mal para a saúde e que defendem a sua substituição por dietas que inventam sem nenhuma base científica ou com uma base científica totalmente distorcida. Faz mal para a saúde não usar estatina para quem tem uma real indicação de uso dessa medicação junto com uma dieta saudável e baseada em evidências científicas sólidas. De maneira nenhuma se quer substituir dietas por estatinas.
Tenho recebido pacientes de altíssimo risco cardiovascular com ou sem doença cardiovascular estabelecida, níveis elevadíssimos de colesterol e triglicerídeos e diabetes tendo seus tratamentos com estatinas suspenso por estes profissionais. Muitas pessoas podem ter prejuízo para sua saúde com tal decisão. Recomendo que profissionais sérios e que tenham experiência sejam consultados para uma segunda opinião quando houver este tipo de situação. Os pacientes podem receber informações de profissionais altamente capacitados no manejo do colesterol. Os sites da Sociedade Brasileira de Diabetes (www.diabetes.org.br) e da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (www.endocrino.org.br) são uma excelente fonte para procurar profissionais da área da Endocrinologia e Metabologia em sua cidade ou próximo dela. Nesses sites há diretórios com profissionais cadastrados em cada estado do Brasil. A Endocrinologia e Metabologia é uma das especialidades médicas que se dedica ao estudo do colesterol, da aterosclerose e prevenção de doença cardiovascular. Cardiologistas e Clínicos Gerais também possuem excelente treinamento no manejo desse tipo de problema.
É crescente e preocupante a defesa de terapias alternativas em substituição a terapias consolidadas e que apresentam claro benefício e daquelas inventadas sem nenhuma base científica para manejo dos distúrbios do colesterol, do diabetes e da obesidade. Espero que isto sirva de alerta e reflexão do público.


Dr. Fernando Gerchman
Médico Endocrinologista
Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
CREMERS 22.773
RQE 15.235

domingo, 27 de novembro de 2016

Medicamentos e produtos naturais para obesidade

A obesidade é um problema de saúde pública. Os prejuízos que traz para a saúde são bem conhecidos, entretanto, o seu tratamento ainda é um dos principais desafios da medicina atual. Ela é reconhecida como uma doença crônica de caráter recidivante, ou seja, existe uma grande tendência das pessoas obesas que emagreceram voltarem a ganhar peso. Isto decorre da resposta fisiológica do corpo à redução da gordura, que dificulta a manutenção do peso em um patamar mais baixo.    
Atualmente, para conseguir bons resultados, precisamos de um grande empenho para mudança de hábitos de vida, além do uso eventual de medicamentos, que, quando bem utilizados, podem amplificar a redução e manutenção do peso.



Um dos mais frequentes questionamentos dos pacientes é a respeito de produtos comercializados sem receita médica, que prometem sucesso no emagrecimento. Anúncios em revistas e mesmo reportagens em meios de comunicação falam de alimentos naturais, funcionais e fitoterápicos como excelentes agentes emagrecedores. Entretanto, existem diferenças fundamentais entre estes produtos e os medicamentos.
Antes de um medicamento ser lançado no mercado, ele tem o seu princípio ativo cuidadosamente estudado em testes de laboratório por vários anos. Depois, ele passa por estudos para verificar sua segurança e, após muitos testes, sua eficácia é testada em grandes estudos comparados ao placebo. Isto é uma fundamental para avaliar se um medicamento realmente funciona, porque é comprovado que se um indivíduo ingerir alguma substância acreditando que ela tenha determinado efeito, ele poderá senti-lo, mesmo que temporariamente, - é o famoso efeito placebo. Depois de lançado no mercado, seguem-se estudando os efeitos benéficos e adversos do produto. 
"Produtos fitoterápicos ou naturais" (pholiamagra, chá branco, chá verde, guaraná em pó, óleo de palma, etc) são registrados com a comprovação de seu caráter tradicional e segurança com base na literatura médica, sem a necessidade de estudos específicos. Por outro lado, "medicamentos fitoterápicos" precisam ter pequenos estudos clínicos. Por exemplo, a cáscara sagrada pode ter sua propriedade laxativa descrita, e a garcínia cambogia, como auxiliar na redução de peso.
"Alimentos com propriedades funcionais" devem ter segurança demonstrada, e não são permitidas referências à cura ou prevenção de doenças, segundo as normas da ANVISA. Desta forma, a quitosana, por exemplo, deve ser referido como “auxiliar na redução da absorção de gordura e colesterol”, a goma guar, com a afirmação que  “as fibras alimentares auxiliam o funcionamento do intestino”, o óleo de cártamo e o óleo de coco como  “óleos vegetais” . 
Não existem soluções fáceis no tratamento da obesidade, o que torna os pacientes obesos extremamente vulneráveis a falsas promessas. Precisamos de informações corretas na mídia. Respeito à população.

Dra. Simone Peccin
 Médica Endocrinologista e Metabologista
CREMERS 18.941 - RQE 9.619

Obesidade e preconceito

Na época atual, onde o progresso da ciência é imenso e o alcance e a rapidez de novas informações não têm precedentes na história, ainda temos concepções cristalizadas sobre muitos temas. Um deles é a  obesidade, que ainda é vista como “consequência de relaxamento” ou “falta de força de vontade” pela maioria das pessoas, inclusive por profissionais da saúde e pelos próprios portadores do problema. Eles frequentemente sentem-se culpados pelos insucessos do tratamento e desmoralizados por não conseguir resolver algo que “só depende deles”.


A obesidade é uma doença crônica, consequência da interação entre os genes e o ambiente, e está implicada no surgimento do diabetes, das doenças cardíacas e em alguns tipos de câncer. Pessoas obesas têm mais chance de morrer precocemente. Infelizmente, alguns fatores tornam o seu tratamento mais difícil. O aumento de peso ocorre com pouca oposição do nosso metabolismo, e esta resposta é menor ainda em pessoas mais propensas à obesidade - aí entra o fator genético. Enquanto isso, a redução de peso leva a uma grande resposta biológica que facilita o reganho de peso, por meio de mecanismos que aumentam a fome e reduzem o gasto de energia. Isto define a doença como recidivante, ou seja, ela tende a voltar.
Além disto, todos nós temos tendência a aumentar o peso no decorrer da vida. Para as pessoas obesas, isto tem uma repercussão ainda maior. Por isso, dizemos que a obesidade tem caráter progressivo.
Como nos mostrou a escritora Jane Austen, em seu clássico “Orgulho e Preconceito”, no início do século 19, a mudança de conceitos pode levar tempo para ocorrer, mesmo quando existem evidências de que eles estão equivocados. Obesidade é doença com graves implicações e deve ser tratada com todos os recursos da medicina atual, desde que devidamente comprovados cientificamente. Ideias errôneas, tanto por parte dos pacientes, quanto por parte dos profissionais de saúde, reduzem a chance de sucesso do tratamento. Precisamos superar o nosso "orgulho e preconceito" em relação à obesidade e conferir a devida importância  ao seu tratamento.

Mais detalhes em:  Biology's response to dieting: the impetus for weight regain. MacLean P, Bergouignan A, Cornier M , JackmanM. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. 2011 Sep; 301(3): R581–R600.
Dra. Simone Peccin
 Médica Endocrinologista e Metabologista
CREMERS 18.941 - RQE 9.619

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Terapia hormonal da mulher transgênero (transexualismo - male to female - MTF)

Para a boa compreensão deste texto, é importante a compreensão dos seguintes termos:
1- Identidade de gênero: a percepção do indivíduo em sentir-se do sexo masculino, feminino, de nenhum ou de ambos.
2- Sexo biológico: tipicamente definido de acordo com a genitália externa ou pelos cromossomos sexuais.
3- Expressão do gênero: como o indivíduo expressa seu gênero no mundo real, através da forma de agir, vestir-se, comportar-se.
4- Incongruência ou disforia de gênero: desconforto ou sofrimento que pode ocorrer quando o sexo biológico não é completamente compatível com a identidade de gênero.
5- Orientação sexual: comportamentos envolvendo a prática sexual (homossexual, heterossexual, bissexual).
6- Mulher transgênero: indivíduo com identidade de gênero feminina com sexo biológico masculino.
7- Homem transgênero: indivíduo com identidade de gênero masculina com sexo biológico feminino.



Após o diagnóstico apropriado da incongruência de gênero e discussão dos riscos e benefícios da tratamento, a mulher transgênero poderá iniciar a terapia hormonal com o endocrinologista. O tratamento consiste basicamente na supressão dos androgênios produzidos pelos testículos e reposição de estrogênio, com a pretensão de diminuir pelos no rosto, aumentar o tamanho das mamas e tornar os contornos do corpo mais femininos. Vamos entender, passo a passo, como funciona.
A reposição de estrogênios usualmente é feita através da administração de 17-beta-estradiol por via oral ou transdérmica. O 17-beta-estradiol é especialmente útil por permitir que os níveis no sangue sejam monitorados, além de apresentar menor risco de trombose quando comparado ao etinilestradiol (este, não recomendado). A reposição de estrogênio, além de ser responsável pelas mudanças corporais desejadas pela mulher transgênero, também é capaz de suprimir a produção de androgênios. A administração do 17-beta-estradiol sozinha já é capaz de inibir a produção das gonadotrofinas (LH e FSH), assim diminuindo a produção de testosterona pelos testículos. A paciente é monitorada regularmente para que os níveis de estradiol sejam mantidos abaixo de 200 pg/mL e de testosterona, abaixo de 55 ng/dL. Em grande parte dos casos, além do uso de estrogênios, também são usados medicamentos para inibir a secreção ou a ação dos androgênios.
Para "combater" os androgênios, cujo principal é a testosterona, temos à disposição como primeira linha de tratamento a espironolactona e a ciproterona. A espironolactona é um antagonista do receptor mineralocorticoide que apresenta efeitos de inibição competitiva do receptor androgênico além de inibir a esteroidogênese testicular, ou seja, é capaz de bloquear tanto a produção quanto a ação da testosterona. Já a ciproterona tem efeito de suprimir a produção de gonadotrofinas, devido ao seu efeito progestágeno, além de bloquear a ação dos androgênios. Como segunda linha, temos os agonistas do GnRH, medicamentos injetáveis e de alto custo, que inibem a produção do FSH/LH e consequentemente de testosterona. Estas modalidades de tratamento podem ser usadas enquanto a paciente ainda tiver os testículos.
Os efeitos esperados da terapia hormonal da mulher transgênero são:
Pelos (início do efeito em 3 a 6 meses - efeito máximo a partir de 3 anos): alguns pelos como os da barba podem ser resistentes à terapia hormonal, necessitando do uso de medidas complementares como o laser.
Mamas (início do efeito em 3 a 6 meses - efeito máximo em 2 a 3 anos): Pode haver sensibilidade durante o desenvolvimento mamário. A adequada inibição dos androgênios potencializa o efeito do 17-beta-estradiol. As pacientes precisam participar de exames de rastreamento de câncer de mama como qualquer mulher.
Pele (início do efeito em 3 a 6 meses): Com a tratamento a pele costuma ficar menos oleosa e mais macia. Em alguns caso, pode ficar seca e as unhas podem ficar quebradiças.
Composição corporal (início do efeito em 3 a 6 meses - efeito máximo em 1 a 3 anos): É esperada uma redução no volume e na força muscular com acúmulo de gordura nos quadris, tornando as medidas corporais mais femininas.
Voz (não muda): A voz não muda com o tratamento. A paciente é aconselhada a fazer terapia da fala com fonoaudiólogo.
Testículos e próstata (início do efeito em 3 a 6 meses - efeito máximo com muitos anos): O tratamento leva a atrofia progressiva dos testículos e redução do volume da próstata. Logo, pacientes que desejem manter a fertilidade devem ser devidamente aconselhados antes do início do tratamento. Paciente que permanecem com a próstata também devem fazer exames periódicos de prevenção como qualquer paciente do sexo masculino.
Função sexual (início do efeito em 1 a 3 meses - efeito máximo em 3 a 6 meses): A terapia hormonal da mulher transgênero leva a redução da libido, das ereções e da ejaculação em graus variados. Algumas pacientes, que desejam manter a função sexual, precisam ter as doses da terapia ajustadas. Nas pacientes que fazem cirurgia genital, a função sexual é variável e dependente da função sexual antes do procedimento, do tipo da cirurgia realizada e dos níveis hormonais.
Por fim, o acompanhamento regular com endocrinologista familiarizado com este tipo de tratamento deve ser frequente e regular para que se evite consequências tanto do excesso ou quanto da deficiência hormonal, tais como: problemas na libido, fragilidade óssea, aumento no risco de trombose ou mesmo de câncer.

Fonte: Transgender women: Evaluation and management

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

Avaliação clínica inicial do paciente transgênero (transexual)

Para a boa compreensão deste texto, primeiramente precisamos estar familiarizados com os seguintes termos:
1- Identidade de gênero: a percepção do indivíduo em sentir-se do sexo masculino, feminino, de nenhum ou de ambos.
2- Sexo biológico: tipicamente definido de acordo com a genitália externa ou pelos cromossomos sexuais.
3- Expressão do gênero: como o indivíduo expressa seu gênero no mundo real, através da forma de agir, vestir-se, comportar-se.
4- Incongruência ou disforia de gênero: desconforto ou sofrimento que pode ocorrer quando o sexo biológico não é completamente compatível com a identidade de gênero.
5- Orientação sexual: comportamentos envolvendo a prática sexual (homossexual, heterossexual, bissexual).
6- Mulher transgênero: indivíduo com identidade de gênero feminina com sexo biológico masculino.
7- Homem transgênero: indivíduo com identidade de gênero masculina com sexo biológico feminino.



Diferentes estudos sugerem que entre 0,3 e 0,8 por cento da população seja transgênera. A maioria destas pessoas procura assistência médica e psicológica no início da vida adulta ou na adolescência, apesar de muitos referirem desconforto mesmo antes da puberdade. Hoje, com maior exposição na mídia, maior aceitação social e maior acesso à assistência, os indivíduos transgênero tendem a buscar mais cedo os serviços de saúde. Algumas vezes são procurados os serviços de saúde mental pelo sofrimento psicológico causado pela incongruência de gênero. Outras vezes, o endocrinologista é procurado para prescrição hormonal. No entanto, a abordagem do paciente transgênero é multidisciplinar.
Embora muitos pacientes transgênero sejam de fácil identificação, outros podem ter o diagnóstico dificultado por problemas de saúde mental concomitantes. Logo, a disforia ou incongruência de gênero deve ser diagnosticada por profissional da saúde qualificado e experiente, geralmente da área de saúde mental (psiquiatra). Alguns pacientes, por receio de sofrerem rejeição por parte do profissional de saúde ou por ansiedade em querer começar rapidamente o tratamento, acabam pulando esta etapa, o que não é aconselhável. Neste momento, além do diagnóstico preciso, o paciente transgênero conhece os riscos e benefícios da terapia, bem como apresenta suas expectativas. Quando estas expectativas são pouco realistas, precisam ser trabalhadas. O contato com outros pacientes transgênero é útil em esclarecer dúvidas quanto a problemas pessoais e sociais que poderão surgir. O suporte da família e dos amigos também é importante.
As mudanças físicas induzidas pelo tratamento não são iguais em todos os pacientes, ou seja, depende da biologia de cada pessoa. Algumas mudanças podem aparecer rapidamente, outras demoram mais tempo e podem não ser completas. Estas transformações são difíceis de prever e podem não se correlacionar perfeitamente com a reposição hormonal. Logo, o paciente deve estar preparado para monitorização frequente e assimilação progressiva das alterações no seu dia a dia.
O tratamento do paciente transgênero pode levar à perda da fertilidade. Por isso, questões relacionadas a filhos e constituição de família devem ser discutidas.
Por fim, a individualização é muito importante. Enquanto alguns pacientes preocupam-se apenas com traços do rosto, com pelos e mamas, outros podem preocupar-se com a mudança da genitália. O tratamento individualizado visa garantir bem estar físico, psicológico e sexual, ou seja, qualidade de vida e satisfação ao paciente.

Fonte: Transgender women: Evaluation and management - UpToDate OnLine.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

domingo, 13 de novembro de 2016

Cistos de tireoide: avaliação e tratamento

Cistos ou nódulos císticos de tireoide são lesões parcial ou completamente preenchidas por fluido. São muito frequentes, podendo corresponder à metade dos nódulos tireoidianos. A maioria é assintomática e descoberta ao acaso, mas sintomas como dor ou sensação de aperto no pescoço podem ocorrer dependendo do tamanho da lesão.
De acordo com as células que os constituem, os nódulos císticos podem ser benignos (adenoma) ou malignos (carcinoma, isto é, câncer de tireoide). Felizmente, a grande maioria destas lesões é benigna. Estima-se que apenas 2 de cada 100 nódulos císticos sejam malignos. Além disso, as lesões com um componente cístico maior, isto é, com mais fluido do que células, têm um risco menor de serem malignas.

PAAF de nódulo de tireoide guiada por ecografia.

Na avaliação dos nódulos císticos de tireoide são fundamentais: a história clínica do paciente, a dosagem do TSH, a ecografia e a punção aspirativa com agulha fina (PAAF). Cistos simples só precisam ser puncionados se houver necessidade de drenagem, pois são virtualmente sempre benignos. Nódulos císticos com componente sólido devem ser puncionados quando maiores que 1,0-2,0 centímetros de diâmetro, dependendo de suas características à ecografia, para afastar o diagnóstico de câncer. Por exemplo, se o componente sólido for hipoecoico e com microcalcificações, o nódulo cístico precisará ser puncionado se tiver mais de 1 centímetro. Se o nódulo tiver aspecto esponjoso, só precisará ser puncionado se for maior que 2 centímetros.
O tratamento dos nódulos císticos de tireoide depende do resultado da PAAF. Lesões malignas devem ser retiradas através de cirurgia. Lesões benignas podem ter seu conteúdo líquido aspirado, serem operadas ou simplesmente observadas. Existe ainda a possibilidade de injeção de álcool dentro do cisto após a aspiração do fluido, especialmente quando o volume for grande ou se houve recidiva após uma primeira drenagem.
Se você tem qualquer lesão na tireoide, seja ela cística ou não, procure um endocrinologista para avaliação diagnóstica e terapêutica.

Fonte: 2015 American Thyroid Association Management Guidelines for Adult Patients with Thyroid Nodules and Differentiated Thyroid Cancer.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

domingo, 6 de novembro de 2016

Medo de insulina

Quem nunca ouviu na sua infância a ameaça: “Olha que eu vou te levar no médico, e ele vai te dar uma injeção!”? Ou a história: “... e ele começou a usar insulina e teve que amputar a perna...”? Ou, menos frequentemente, vivenciou a rotina de um familiar que se escondia com suas agulhas e seringas, e que um dia sucumbiu à morte, após anos de hemodiálise?
Não podemos negar que agulhas, injeções e insulina estão emocionalmente associadas à punição, sofrimento e morte.  E que, há pouco tempo, coexistiam frequentemente.




Por isso, não é surpresa quando uma pessoa com diabetes declara: “Não quero usar insulina de jeito nenhum!”. Quando tentamos entender esta afirmação, logo encontramos vários aspectos.
Primeiro, para aceitar que temos uma doença, precisamos perceber a nossa vulnerabilidade e encarar que um dia iremos morrer. O remédio que tomamos pode ser visto como uma lembrança diária disto. Imaginar uma aplicação diária de insulina, então, pode ser algo insustentável para alguns.
Segundo, até algumas décadas atrás, as campanhas de detecção e tratamento precoce do diabetes eram menos difundidas. Muito frequentemente, as pessoas passavam de 10 a 20 anos com a doença não diagnosticada, e quando a descobriam, já apresentavam perda de visão ou precisavam de hemodiálise, por causa do longo tempo de hiperglicemia não tratada. Além disso, a sua reserva de produção de insulina também se esgotava por falta de tratamento, e o paciente precisava receber insulina. Assim, uma pessoa aparentemente saudável era vista no mesmo período de sua vida iniciando o uso de insulina e amputando uma perna, por exemplo. O entendimento popular destes acontecimentos era: “A pessoa ficou doente por causa da insulina”.
Terceiro, agulhas que provocavam dor na aplicação, aspiração da insulina de dentro de frascos, doses que precisavam ser colocadas em seringas com numerações diferentes...  Por décadas, a aplicação de insulina era realmente desconfortável e complexa. 
Assim, chegamos aos dias de hoje. Em geral, o diagnóstico é mais precoce, e podemos fazer um bom tratamento para manter a glicemia controlada. As pessoas com diabetes vivem mais e melhor, já que a maior parte das complicações é evitada. Entretanto, em algum momento, pode ser necessário usar insulina, justamente para manter a qualidade de vida e evitar complicações. 
Atualmente, temos disponíveis práticas canetas aplicadoras de insulina e agulhas tão finas que tornam a picada quase imperceptível. Os pacientes não adoecem ao usar insulina. Pelo contrário, se ela for iniciada no momento correto, permite garantir a sua saúde. 
O aumento da longevidade com boa qualidade de vida é uma realidade para as pessoas com diabetes. Entretanto, medos e preconceitos surgem quando é necessário utilizar insulina. Entender que algumas crenças podem estar equivocadas e assumir com maturidade seus cuidados pela saúde pode ampliar ainda mais estes benefícios.

Dra. Simone Peccin
 Médica Endocrinologista e Metabologista
CREMERS 18.941 - RQE 9.619

O papel dos hormônios no envelhecimento

Estamos ficando mais maduros, isto é um fato! Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010 havia 18 milhões de pessoas com 60 anos ou mais e em 2050 serão 64 milhões. O envelhecimento é um processo biológico complexo e progressivo que diminui a função das nossas células e tecidos. Consequentemente, nosso corpo torna-se menos apto à reprodução e à sobrevivência. Desde o século 19, tem-se tentado achar uma "fonte de eterna juventude" através do uso de hormônios. Apesar do processo de envelhecimento ter sido apenas parcialmente decifrado e ser decorrente de uma intrincada acumulação de defeitos bioquímicos nos ácidos nucleicos, proteínas e membranas celulares, algumas pessoas ainda insistem em vender a ideia de que uma "modulação hormonal" possa ser capaz de impedir que fiquemos velhos.  As melhores evidências disponíveis até o momento culpam os seguintes processos em fragilizar nosso organismo: estresse oxidativo causado por radicais livres; glicosilação não enzimática de proteínas com perda de suas propriedades; alterações epigenéticas como metilação do DNA e acetilação de histonas, que dificultam a renovação celular e, consequentemente, o funcionamento dos diferentes tecidos. Complicado, não? No entanto, quais substâncias ou processos bioquímicos desencadeiam ou revertem estes processo ainda são desconhecidos. Além disso, o processo é individualizado, já que pessoas com a mesma idade cronológica podem parecer mais ou menos idosas quando comparadas entre si. Ou seja, a diminuição nos níveis de alguns hormônios é mais provavelmente consequência do que causa do processo de envelhecimento.



Quando avaliamos um indivíduo do ponto de vista hormonal, devemos estar cientes que alterações podem ser tanto devidas à idade quanto a doenças crônicas, muito comuns a medida que o tempo avança, mesmo que assintomáticas. Parece simples, mas na maioria das vezes esta distinção é muito difícil de ser feita, principalmente devido a falta de estudos que definam o que é "normal" para uma determinada faixa etária. De uma maneira geral, as seguintes alterações hormonais que aparecem com a idade são relevantes:
1- o único sistema hormonal em que há uma diminuição de função bem definida, abrupta e universal com o envelhecimento é no eixo hipotálamo-hipófise-ovários nas mulheres. É a famosa menopausa.
2- a produção de hormônio do crescimento, testosterona e do hormônio adrenal DHEA diminui com a idade. Existem valores de referência definidos para as diferentes faixas etárias. Contudo, se estes valores são fisiologicamente ótimos, ainda não sabemos.
3- alguns outros hormônios como o TSH, que estimula a tireoide, podem sofrer alteração com a idade. Mas estas alterações são menos previsíveis e os valores de referência são pouco definidos. Logo, qualquer alteração, deve ser cuidadosamente avaliada.
4- alguns hormônios acabam subindo ou diminuindo com a idade devido a uma diminuição ou aumento da sensibilidade dos tecidos alvos. Ou seja, trata-se apenas de um mecanismo de adaptação.
Até aqui, podemos perceber que alterações hormonais podem acontecer com o envelhecimento, mas não são necessariamente causas deste processo. Logo, uma "modulação hormonal" através da reposição indiscriminada de hormônios dificilmente terá efeito "anti-aging". Pode sim trazer riscos à saúde como veremos em outras oportunidades. 

Fonte: S Mitchell Harman. Endocrine changes with aging. UpToDate OnLine.

Dr. Mateus Dornelles Severo
 Médico Endocrinologista
CREMERS 30.576 - RQE 22.991

domingo, 30 de outubro de 2016

Dieta do hCG: mais uma dieta que pode colocar sua saúde em risco

Todo dia surge uma nova dieta prometendo acabar com o excesso de peso e uma dessas “dietas da moda” é conhecida como "dieta do hCG". Mas será que essa dieta funciona? É segura? Então vamos lá... 



Antes de mais nada, o que é o hCG?
O hCG ou gonadotrofina coriônica humana é um hormônio produzido pela placenta e que pode ser encontrado na urina e sangue de mulheres grávidas. Na medicina o uso desse hormônio é aprovado para o tratamento de infertilidade feminina, criptorquidismo, hipogonadismo hipogonadotrófico em homens e puberdade tardia em meninos. Esse hormônio não é e nem nunca foi aprovado para perda de peso!! 

Mas há várias pessoas defendendo o uso do hCG para perda de peso, será que ele não é bom para isso?
NÃO! Existem vários estudos confiáveis e de alta qualidade que mostram claramente que o hCG não é eficaz na perda de peso. Além disso, o hCG não deve ser vendido como um suplemento alimentar ou nutracêutico. Ele deveria estar disponível somente mediante prescrição médica e para uso apenas nas situações descritas anteriormente.

E como funciona a dieta do hCG?
A dieta do hCG não é nova. Ela foi proposta ainda nos anos 1950 pelo médico britânico Albert Simeons. O dr. Simeons dizia que os pacientes que faziam a sua dieta perdiam uma proporção maior de gordura do que músculos durante o processo. Ele acreditava que a gordura era mobilizada da região abdominal, quadris e coxas. Além disso, afirmava que seus pacientes sentiam menos fome e irritação durante a restrição de calorias. Nesta dieta, além do uso do hCG, por via oral ou injetável, o paciente é submetido a uma restrição extrema de calorias: apenas 500 kcal/dia. Com certeza o emagrecimento vem da restrição calórica e não da administração do hCG. Para se ter uma ideia do quão severa é a restrição energética, nem mesmo pacientes com obesidade mórbida são recomendados a consumir menos de 800 kcal/dia. Visto que 500 calorias não são suficientes para manter as funções básicas do organismo, após um tempo, o metabolismo cai para tentar conservar as calorias, já que o corpo interpreta a dieta como um estado de inanição. O metabolismo reduzido, posteriormente, resulta em reganho rápido do peso perdido, quando o indivíduo retoma a ingestão calórica normal.

Mas o que as evidências científicas dizem sobre essa dieta?
Uma metanálise (técnica estatística especialmente desenvolvida para integrar os resultados de vários estudos independentes sobre uma mesma questão) de 24 estudos, publicada em 1995, avaliou o efeito do hCG sobre a perda de peso comparando pacientes que fizeram uma dieta restritiva e usaram o hormônio contra pacientes que fizeram uma dieta restritiva e que não usaram o hormônio, e concluiu que: “não há evidências científicas que demonstrem que o hCG cause perda de peso, redistribuição de gordura corporal, reduza a fome ou induza sensação de bem-estar. Portanto, a utilização do hCG deve ser considerada como uma terapia inadequada para a perda de peso".
Em 1975, o FDA (órgão do governo dos Estados Unidos que tem a função de controlar os medicamentos através de diversos testes e pesquisas) afirmou que o hCG não tem nenhum benefício no tratamento da obesidade. Em 2009, diversas sociedades médicas americanas publicaram um documento não recomendando o hCG como terapia para perda de peso. No Brasil, sociedades médicas sérias como a SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) e a ABESO (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica) também desaprovam a prescrição do hCG para fins de emagrecimento.

E quais são os riscos de usar hCG?
- Tromboembolismo arterial e venoso (coágulos de sangue que podem obstruir artérias ou veias, provocando infarto, derrame cerebral ou embolia pulmonar); 
- Sintomas do sistema nervoso central (dor de cabeça, irritabilidade, agitação, depressão, fadiga, comportamento agressivo, insônia);
- Reações de hipersensibilidade e nos locais de injeção (dor, coceira, edema, infecção). 
- Possibilidade de aumentar a incidência de cistos ovarianos. 
- Ginecomastia (aumento de mamas) em homens
- Possibilidade de promover desenvolvimento tumoral se administrado em pessoas que tenham câncer hormônio-relacionados, tais como o câncer de próstata, endométrio, mama, ovário.

Em resumo, o hCG NÃO promove perda de peso ou de gordura adicional, NÃO reduz a sensação de fome, NÃO melhora a irritabilidade ou aumenta a sensação de bem-estar e NÃO é considerado um método seguro de emagrecimento. 
Entendemos que a perda de peso possa ser frustrante, mas nunca adote estratégias "milagrosas" e que, pior do que isso, colocam sua saúde em risco! Esta dieta não faz nada para alterar os hábitos que levam ao ganho de peso, Procure um profissional sério e competente que possa te acompanhar e orientar a perder peso de forma saudável e segura.

Fonte:
1. Lijesen GK, Theeuwen I, Assendelft WJ, Van Der Wal G. The effect of human chorionic gonadotropin (HCG) in the treatment of obesity by means of the Simeons therapy: a criteria-based meta-analysis. Br J Clin Pharmacol. 1995 Sep; 40(3): 237–243.
2. Goodbar NH, Foushee JA, Eagerton DH et al.  Effect of the Human Chorionic Gonadotropin Diet on Patient Outcomes. The Annals of Pharmacotherapy 2013 May, Volume 47.
3. Bray GA. Obesity in adults: Drug therapy. In UpToDate, literature review current through: Sep 2016.

Dra. Fernanda Meneghini Fleig
Médica Endocrinologista
CREMERS 33.785 - RQE 28.970

Consequências do abuso de esteroides anabolizantes

O uso de esteroides anabolizantes androgênicos (EAA) está cada vez mais difundido, principalmente entre praticantes de atividade física e atletas. As principais causas apontadas para o uso de anabolizantes incluem: insatisfação com a aparência física, baixa autoestima, pressão social, o culto pelo corpo que a nossa sociedade tanto valoriza e a falsa aparência saudável. Estudos estimam que um número tão alto quanto 30% dos praticantes de academia abusam ou já abusaram do uso de hormônios para tal fim. Uma parcela não desprezível dos usuários tem uma percepção equivocada de que o uso de EAA é seguro ou que os efeitos adversos são controláveis, o que é um verdadeiro erro. Os esteroides anabolizantes oferecem riscos graves à saúde física e mental.



O uso de EAA compreende o abuso de testosterona e seus derivados. A testosterona permanece ainda como o EAA mais popular devido ao seu baixo preço, acesso relativamente fácil e dificuldade de distinguir, em exames de sangue, a testosterona exógena da endógena. Segundo o Comitê Olímpico Internacional (COI), doping é definido como o uso de qualquer substância endógena ou exógena em quantidades ou vias anormais com a intenção de aumentar o desempenho do atleta em uma competição. No Brasil, os EAA foram considerados agentes dopantes a partir de 1985, segundo publicado na Portaria 531, de 10 de julho de 1985.  Na medicina, o uso da testosterona está indicado em alguns casos bem específicos, como no hipogonadismo masculino (situação em que os homens deixam de produzir ou produzem testosterona em menor quantidade do que o normal), alguns casos de transsexualismo e sarcopenias. 
Os efeitos dos EAA sobre o comportamento dos usuários há muito tempo têm sido pesquisados, assim como os vários efeitos adversos em diferentes órgãos e sistemas do corpo (vide tabela abaixo). Além disso, já está comprovado que os EAA podem induzir efeitos sobre o sistema de recompensa do cérebro, o que pode tornar os usuários  mais suscetíveis ao abuso de outras drogas. Normalmente os usuários de EAA usam hormônios em doses extremamente elevadas, aumentando ainda mais os risco!

EFEITOS CARDIOVASCULAR
- Dislipidemia (alteração dos níveis de gordura no sangue)
- Doença aterosclerótica (formação de placas dentro dos vasos, podendo levar à infarto cardíaco e derrame cerebral)
- Cardiomiopatia (aumento do músculo cardíaco, prejudicando seu funcionamento)
- Arritmias
- Anormalidades de coagulação
- Hipertensão Arterial
NEUROPSIQUIÁTRICOS
- Distúrbios do humor e depressão, inclusive com relatos de suicídio
- Comportamento agressivo e violento
- Alteração cognitiva e de memória
- Dependência de EAA
- Aumento do abuso de outras drogas


MUSCULOESQUELÉTICO
- Fechamento prematuro das cartilagens de crescimento (adolescentes), prejudicando crescimento
- Ruptura de tendões


RENAL
- Falência renal secundária à rabdomiólise (lesão muscular)
- Glomeruloesclerose (fibrose no rim, prejudicando seu funcionamento)
- Câncer renal
PROBLEMAS HORMONAIS - HOMENS
- Supressão de hormônios importantes na produção endógena de testosterona (hipogonadismo), levando a perda de libido, distúrbios de ereção, atrofia dos testículos
- Ginecomastia (aumento das mamas)
- Aumento da próstata
- Câncer de próstata
- Infertilidade


PROBLEMAS HORMONAIS – MULHERES
- Supressão de hormônios importantes na produção endógena de estrogênios, levando a distúrbios da menstruação
- Infertilidade
- Atrofia das mamas
- Excesso de pelos e alopecia (perda de cabelo do couro cabeludo)
- Aumento do clitóris
- Alteração da voz (IRREVERSÍVEL)


DERMATOLÓGICO
- Acne
- Estrias
- Excesso de pelos e alopecia (perda de cabelo do couro cabeludo)
HEPÁTICOS (fígado)
- Inflamação e colestase
- Hepatite
- Câncer de fígado

Como podemos ver na tabela acima, os EAA são drogas que podem provocar efeitos colaterais gravíssimos. Ainda assim, os usuários de EAA continuam usando tais substâncias de maneira desenfreada, sem considerar os efeitos colaterais ou julgando, erroneamente, que os benefícios são maiores do que os riscos. Testosterona só deve ser usada, em doses adequadas, se há uma necessidade clínica que justifique seu uso! 
Médicos sérios e éticos não compactuam com o uso de anabolizantes para fins de melhorar desempenho ou forma física. Se você quer melhorar seu desempenho físico ou composição corporal, procure uma equipe multidisciplinar, composta por médicos, nutricionistas e educadores físicos, buscando adequar sua dieta e rotina de exercícios para atingir o seu objetivo!

Fontes:
1. Pope HG Jr, Wood RI, Rogol A, et al. Adverse health consequences of performance-enhancing drugs: an Endocrine Society scientific statement. Endocr Rev 2014; 35:341.
2. Nieschlag E., Vorona E. Medical consequences of doping with anabolic androgenic steroids: effects on reproductive functions. European Journal of Endocrinology 2015; 173, R47–R5.
3. Snyder,PJ. Use of androgens and other hormones by athletes. In: UpToDate, literature review current through: Sep 2016.

Dra. Fernanda Meneghini Fleig
Médica Endocrinologista
CREMERS 33.785 - RQE 28.970

Suplementos de cálcio e vitamina D na osteoporose: devo parar?

O mês de outubro de 2016 está chegando ao fim, mas nos trouxe duas importantes publicações sobre o uso de suplementos de cálcio e vitamina D (Ca+vitD) no tratamento da osteoporose. Nos últimos anos, questionamentos sobre o efeito e a segurança dessas medicações  fizeram muitas mulheres interromperem os seus tratamentos. As duas perguntas que mais ouvi no consultório: 1)"Se tenho osteoporose, realmente preciso usar suplementos de Ca+vitD? Já estou usando aquele ‘outro’ comprimido uma vez por semana ou uma vez ao mês (alendronato, risendronato, ibandronato).” 2) “Ouvi dizer que usar Ca+vitD pode calcificar minhas artérias e aumentar o risco de infarto do coração e estou com dúvida se devo manter o uso. É verdade?”



A primeira pergunta foi respondida pela European Society for Clinical and Economic Aspects of Osteoporosis, Osteoarthritis and Musculoskeletal Diseases e pela International Foundation for Osteoporosis em artigo na revista Osteoporosis International.  O uso de suplementos de Ca+vitD auxilia na redução do risco de fraturas em mulheres com osteoporose e deve ser mantido, principalmente naquelas com alto risco de fratura (idade maior que 65 anos; fratura prévia; uso crônico de corticoides; história de fratura na família; peso abaixo de 58 quilos; fumante; consumo excessivo de álcool) e naquelas que tenham níveis baixos de cálcio e/ou de vitamina D. Recomenda-se sempre o uso de cálcio associado a vitamina D e não de forma isolada. Além do mais, o uso diário de vitamina D está associado a uma diminuição do risco de quedas e pode ser importante na prevenção de fraturas. A dose recomendada é de até 1200 mg por dia de cálcio e 800 UI por dia de vitamina D. Para que funcione bem, o uso de alendronato e similares exige que o corpo esteja bem suprido de cálcio e vitamina D. Portanto, não pare de usar esses suplementos sem conversar com o seu médico! Outro ponto importante: não adianta usar suplementos de Ca+vitD para prevenir a osteoporose antes do tempo ou para aumentar a massa ósseo, como se vê muitas mulheres jovens usando. Não se deve esquecer que esses suplementos podem aumentar o risco de cálculos renais e causar efeitos gastrointestinais indesejáveis, como dor na barriga e intestino preso.
Em relação à dúvida sobre  o risco de suplementos de Ca+vitD causar infarto, a National Osteoporosis Foundation, dos Estados Unidos, e a American Society for Preventive Cardiology esclarecem, em artigo publicado na conceituada revista Annals of Internal Medicine: não há evidências científicas que possam associar o consumo de cálcio e vitamina D dentro dos limites recomendados com infarto do coração, isquemia cerebral ou morte. A suplementação de Ca+vitD deve ser mantida sempre que necessária para saúde dos ossos. A história de que esses suplementos podem “calcificar as artérias” não é verdade. Portanto, se seu médico prescreveu, pode usar com tranquilidade.
É sempre bom compartilhar boas notícias, não é mesmo?


Dr. Eduardo Guimarães Camargo
Médico Endocrinologista
CREMERS 23.404 - RQE 17.086